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Cidades

“O amor requer dedicação, mas não sacrifícios”, diz psicóloga

Especialista alerta que esse sofrimento provoca ressentimento porque exige que o companheiro também sofra e se sacrifique


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Imagem ilustrativa da imagem “O amor requer dedicação, mas não sacrifícios”, diz psicóloga
Tatiane de Sá: “Não podemos depositar no outro as nossas exigências” |  Foto: Divulgação

O amor é uma construção que se faz junto, com compromisso, diálogo transparente e capacidade de lidar com mudanças. A experiência de amar deve ser leve, mas, sem dúvida, requer dedicação. É preciso, contudo, atenção: dedicação é diferente de fazer sacrifícios.

O alerta é da psicóloga clínica e escritora Tatiane de Sá Manduca. No livro “Será que é amor?”, que vai ser lançado no dia 20 de setembro e é escrito em coautoria com o psicólogo Saulo Durso, a especialista analisa casos clínicos de sofrimento no amor e aponta as problemáticas do sentimento pela via do sacrifício.

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Em entrevista ao jornal A Tribuna, a psicóloga analisa o panorama das formas de se amar da contemporaneidade e aponta ensinamentos para expandir o autoconhecimento e viver relações mais saudáveis.

A Tribuna – O amor pela via do sacrifício é comum?

Tatiane de Sá Manduca – Muitas pessoas costumam amar dessa maneira – e é algo que adoece o amor. Ele é tido como um sacrifício que provoca ressentimento porque exige-se que o outro também se sacrifique. Não podemos depositar no outro todas as exigências que fazemos em um relacionamento.

Vou dar um exemplo. Em uma relação de mãe e filho, muitas vezes, as mães dizem: “Eu sacrifiquei a vida inteira por você”. O amor sempre será uma decepção quando é pela via do sacrifício.

O amor pela via do sacrifício é como se a pessoa projetasse um reservatório das experiências infantis porque, talvez, ela tenha aprendido a amar dessa maneira e vai exigir o mesmo do outro. Ela faz com que o outro se sinta culpado e está sempre se lamentando.

Isso pode acontecer em diversas relações, como amizade, mãe e filho, marido e esposa. Geralmente, a pessoa que ama dessa maneira sente muita raiva quando percebe que não terá correspondência do sacrifício feito. É uma forma muito precária de se amar.

- É possível mudar esse padrão de relacionamento?

É possível à medida que se entenda que essa maneira de amar faz com que a pessoa se sinta frustrada, sinta que o outro nunca vai atender à demanda esperada.

Geralmente, cria-se uma devoção sem limites pelo outro. Faz-se de tudo sem que ninguém peça nada, mas exige-se na mesma moeda.

O amor exige alteridade, reconhecer que o outro não está ali para atender a uma demanda de sacrifício. Quem ama dessa maneira precisa compreender que essa forma de amor é própria e que o problema não está nos outros.

O amor requer dedicação, mas não sacrifício. Requer compromisso e reconhecimento de que o outro é diferente.

O amor é uma construção que se faz junto e, por isso, é possível romper padrões cíclicos de relacionamento.

- Hoje vivemos relações mais imediatistas?

Com certeza. Vivemos um imediatismo das relações, mas o amor não é imediatista. O imediatismo é contrário ao amor porque o valor da experiência está no tempo.

Conhecer o outro, se conhecer pelo olhar do outro e construir compromisso com a palavra e com a relação são etapas que ocorrem com o tempo.

As novas gerações desejam a intimidade sem construí-las. A intimidade é uma construção e só acontece a partir do momento que se conhece o outro em uma relação de diálogo – e diálogo é conquistado a partir da experiência com o tempo.

Cada vez mais, as pessoas estão objetificando o outro, não considerando que o outro tem afeto e desejos.

Assim, o tempo de relação se encurta com esses imediatismos, que causam frustração e solidão. As pessoas não se dão a oportunidade de viver o valor da experiência, de construir algo com o outro.

Talvez esse imediatismo seja uma relação muito apaixonada, fadada à ilusão e à fantasia que se faz do outro, e o tempo seja a experiência que constrói algo.

Hoje, muitas relações terminam antes de começarem. Vejo que muitos querem que o outro atenda às expectativas sem dar a oportunidade de viver uma relação em uma construção de tempo.

- Só o amor basta para uma relação “dar certo”?

Não. Muitas relações terminam quando ainda se tem amor. Então, o amor não é baseado só na mutualidade. Muitas pessoas se amam e acabam encontrando conflitos e não sabem lidar com isso.

O amor exige a capacidade de lidar com mudanças. É uma aposta que se faz com o outro em que ambos desejam estar juntos e construir um compromisso. É preciso ter esse desejo.

Se nós mudamos o tempo inteiro, não podemos esperar que uma relação também não se modifique.

Quem deseja assumir um compromisso de verdade deve reconhecer que o outro não é uma extensão de si mesmo. Lidar com as diferenças na forma de pensar, de sentir e de se manifestar é algo necessário.

- O autoamor é um pré-requisito para viver uma relação de forma saudável?

O amor por si mesmo é muito importante e é preditivo para amar o outro. Aprendemos a amar com o amor de um outro, ou seja, construímos o amor próprio pela relação de um outro.

O problema se dá quando esses clichês do “eu me basto” fazem com que a pessoa fique aprisionada só pelo amor de si e não estabeleça uma relação com o outro.

Em um processo terapêutico, é possível compreender a maneira pessoal de amar e de sofrer por amor.

Muitas vezes, as pessoas se confundem. Por exemplo, a separação, às vezes, é entendida como abandono. Nem toda separação é abandono.

Isso acontece com pessoas que não conseguem ter uma vida por si só e é preciso aprender a lidar com a própria solidão.

- Nós aceitamos o amor que acreditamos merecer?

Isso acontece, mas é refutável. Se uma pessoa não foi amada ou não se percebeu amada durante a vida, não significa que não possa reconstruir isso e reinventar o amor. É preciso, antes, reinventar o amor de si mesmo para se conectar com o outro.

Entender a maneira pessoal de amar e de sofrer, além das próprias ansiedades e depressões, é importante. Nessa reinvenção, muitos podem descobrir padrões repetitivos de relacionamentos.

Em alguns casos, o problema é atribuído ao outro, ou seja, a pessoa nunca confere a si que seja algo na própria maneira de se amar.

Dessa forma, muitas dinâmicas relacionais se dão pela ordem da repetição.
Sabe aquele famoso “dedo podre” que tanto falam? Em geral, a pessoa se coloca na relação sem perceber que se posiciona da mesma maneira.

- Hoje, debatemos mais sobre o amor. Você vê as novas formas de amar com otimismo?

Sim, porque o amor é potente e não podemos reduzir o amor a uma relação de compromisso ou conjugal.

O amor é muitas coisas, é bem maior do que essa percepção. Há, por exemplo, o amor fraternal, o amor pelo saber, o amor pela profissão e o amor por um hobby.

Muitos acreditam que é preciso encontrar a metade da laranja para ser feliz. Quando depositamos o amor em uma única coisa, reduzimos a nossa experiência de amar.


Perfil

Tatiane de Sá Manduca - Psicóloga clínica e escritora.

Especialista em Psicoterapia pelo Instituto de Psiquiatria (IPQ) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

No livro “Será que é amor?”, que será lançado no próximo dia 20 de setembro e é escrito em coautoria com o psicólogo Saulo Durso, a especialista analisa casos clínicos de sofrimento no amor e aponta as problemáticas do “amor pela via do sacrifício”.

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