Médicos alertam para “epidemia” de dependência em remédios
Especialistas afirmam que automedicação tem crescido principalmente contra dor e insônia. Venda de medicamentos bateu recorde no País
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Quem nunca sentiu uma dor e recorreu àquela caixa de medicamentos em casa para se automedicar? Essa prática, apesar de bastante comum, é perigosa.
Médicos alertam que o aumento do consumo de remédios para dor e para dormir, no País e no Estado, considerada como “epidemia”, pode levar à dependência.
Dados enviados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à reportagem mostram que a venda do zolpidem, para insônia, passou de 13.604.720 embalagens, em 2018, para 21.919.246 em 2022; um aumento de 61% no País. Já o paracetamol, usado para dor, passou de 45.245.622 caixas para 93.982.359, no mesmo período, expressando aumento de 108%.
“Temos uma geração mais sedentária, com doenças crônicas e isso acarreta no aparecimento de dor e sintomas, que podem ser potencializados com transtornos associados”, aponta o psiquiatra Anderson Dondoni Lovatti.
“Essa geração é mais dependente de remédios para dor, principalmente os analgésicos opioides. Isso ocorre devido à baixa tolerância de as pessoas procurarem ajuda e atividade física, usando artifícios para conseguirem medicações que podem causar dependência”, alerta.
O sulfato de morfina é um opioide, teve crescimento de 3.914% nas vendas, mas médicos ressaltam que o medicamento é normalmente usado para pacientes oncológicos.
Especialista em dor crônica, o neurologista e anestesiologista Ramon D'Ângelo Dias destaca que os transtornos por uso de substância são frequentes na população com dores crônicas, e a sua incidência tem aumentado nestes pacientes, chegando a 28%.
“É importante ressaltar que o transtorno por uso de substâncias deve ser encarado como uma doença que não dever ser julgada ou punida, mas deve-se acolher o indivíduo na sua totalidade, objetivando o manejo adequado do caso”.
Presidente da Associação Brasileira de Medicina do Sono do Estado, a pneumologista Jessica Polese destaca que há pessoas que querem “dormir a qualquer preço”.
“Hoje temos uma sociedade, que chamamos de 'liga e desliga', que para ficar acordada usa medicações estimulantes, como ritalina, e para dormir usam um remédio sedativo, ou as drogas Z, como zolpidem”.
A médica explica que as drogas Z costumam causar uma certa dependência. “Já os benzodiazepínicos, classe de medicação que estamos tentando tirar da prescrição do sono, são os que mais causam dependência, rebote e tolerância”.
"Usava uns 15 comprimidos por dia, revela cantor"
O uso de medicamento para dormir é uma realidade também na vida de famosos, assim como a dependência.
O cantor Fernando Zor, de 39 anos, da dupla com Sorocaba, revelou em entrevista recente o uso excessivo de remédios para dormir. Fernando afirmou que chegava a tomar 15 comprimidos por dia e que acabou tendo diversos prejuízos em sua vida por causa da dependência.
“Já faz um bom tempo que eu faço o uso do zolpidem para dormir. Teve uma época que eu entrei numa depressão, muitas angústias, e eu acabava tomando o zolpidem para amenizar”.
Ele admitiu que excedeu a dose recomendada por seu médico. “(Tomava) talvez uns 15 comprimidos por dia. Durante o dia, às vezes eu estava muito angustiado e tomava o remédio para relaxar. Isso foi me viciando, eu fiquei cada dia mais dependendo do remédio”, afirmou.
O cantor revelou ainda que chegou a ter diversos prejuízos com o uso da medicação, como esquecer letras das músicas que canta, além de ter pego carro para viajar e ser internado por misturar a medicação com bebida.
A pneumologista Jessica Polese alerta que as drogas Z, como zolpidem, deveriam ser usadas por um curto período.
“É preciso separar o vício químico, necessidade real da medicação, com a parte psicológica, porque às vezes o paciente acha que só vai dormir com o remédio, porém é mais uma dependência psicológica”.
Depoimentos
"Aos 7 anos, fiquei internada com enxaqueca. Já fiz exames e teve vezes de nem a morfina resolver (...) Tenho dores todos os dias e ando com uma maleta de remédios.”
"Eu tomo vários comprimidos para poder dormir. Sou viciada em drogas de farmácias e a cada médico que vou eles indicam mais comprimidos.”
"Tomo dois comprimidos de zolpidem há cinco anos, metade do meu cérebro já 'derreteu'. Não me orgulho disso, mas tenho insônia desde adolescente.”
"Tomo remédio para dormir há mais de 20 anos. Mas eu não indico isso para ninguém. A gente fica dopada."
Os depoimentos foram dados nas redes sociais do Tribuna Online.
Tarjas de medicamentos
TARJA PRETA
Esses medicamentos precisam de um controle maior. Geralmente afetam o sistema nervoso central, por isso podem causar dependência ou levar à morte. Só podem ser adquiridos mediante prescrição médica que deve ser retida com o farmacêutico.
TARJA VERMELHA
Medicamentos que devem ser vendidos com receita, porque podem causar efeitos colaterais graves. É uma receita simples, mas dependendo do tipo do medicamento ele só poderá ser adquirido com receituário de cor branca que fica retido na farmácia.
TARJA AMARELA
Identifica o grupo dos medicamentos genéricos. Além da tarja amarela, ele pode conter, também, a tarja vermelha ou preta, de acordo com o tipo de controle exigido.
SEM TARJA
Os medicamentos isentos de prescrição (MIP) não necessitam de receita médica. No entanto, os MIPs cumprem os demais requisitos exigidos pela legislação sanitária em vigor. São indicados para tratamento de doenças não graves.
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