“Medo da solidão pode nos fazer aceitar relações tóxicas”, analisa escritor
Afirmação foi feita por Fred Elboni, que contabiliza oito livros publicados e mais de 500 mil cópias vendidas
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A sociedade contemporânea vive um dilema da solidão: ao mesmo tempo em que é preciso encontrar tranquilidade no fato de que a vida é essencialmente solitária, isto não pode ser motivo para se isolar e alimentar um medo das experiências da vida.
A análise dessa conjuntura das formas de solidão do mundo atual está no livro “Há sol na solidão: como abraçar o vazio e gostar da própria companhia”, lançado no fim do ano passado, pelo escritor Fred Elboni.
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Em entrevista ao jornal A Tribuna, o escritor aponta que a solidão não é uma vilã: é preciso aprender a apreciar a própria companhia, mas sem cair na armadilha de fazer da solidão uma forma de “proteção” que impede uma genuína conexão humana.
O escritor alerta, até mesmo, sobre os perigos de não saber lidar bem com a solidão. “O medo da solidão pode nos fazer aceitar relações tóxicas”.
A Tribuna - Como você analisa as formas de solidão na sociedade contemporânea?
Fred Elboni - "Eu acho que são dois pontos importantes. Primeiro, precisamos separar a solitude e a solidão. A solitude é uma escolha, algo mais voluntário, algo mais positivo. Você pode escolher ficar sozinho para curtir a sua companhia. A vida é, em essência, solitária, por mais que a gente esteja sempre coabitando com outras pessoas.
A solidão é uma condição que, no geral, está associada mais à tristeza. Muitas vezes, a solidão vira até uma fuga, porque não sabemos lidar com as outras pessoas e, cada vez mais, temos medo da rejeição. Quanto mais medo da rejeição, menos nos abrimos, menos nos conectamos aos outros, e mais estaremos sós."
- Hoje, temos meios para conversar com qualquer pessoa virtualmente. Ainda assim, nos sentimos sós. O que explica isso, na sua opinião?
"A falta e o excesso de liberdade aprisionam. Quanto mais opções temos na vida, mais nos sentimos inseguros de qual opção tomar.
Quando fazemos uma opção, deixamos de fazer inúmeras. Quase sempre, no entanto, haverá um pensamento de que se poderia estar vivendo algo melhor em alguma outra opção. O caminho imaginário, criado em nossa cabeça, é muito mais fértil.
Há algo que eu sempre falo: não podemos romantizar a solidão para fazer uma fuga da vida. Viver sozinho é mais fácil. Sozinho, ninguém precisa combater a minha opinião. Eu não vou discutir, vou sempre ter razão, e tudo o que eu quero será realizado."
- O medo de lidar com a solidão pode nos fazer aceitar relações tóxicas?
"Sem dúvida. O medo da solidão pode nos fazer aceitar relações tóxicas. É como ir ao supermercado com fome. Se você não sabe lidar com a solidão, tendo uma carência muito forte, qualquer coisa que alimenta está bom. Quando estamos bem alimentados, digamos assim, escolhemos apenas o que é realmente bom.
A solidão não é uma vilã. Ela é uma oportunidade para nos conhecermos. Quanto mais nos conhecemos, mais temos certeza do que realmente nos faz bem.
É preciso estar atento, contudo. Como você disse, escolher viver sozinho é mais fácil.
Precisamos ter cuidado. Estamos em um mundo que nos entrega tudo. Eu não preciso aguentar mais um relacionamento. Se não está muito legal, eu já vou embora.
Antigamente, pedíamos uma pizza no domingo e era maravilhoso. Hoje, você pede um hambúrguer na terça-feira, um sushi em outro dia, e fala: ‘nem estava tão bom’.
Não é a pizza que deixou de ser boa: é nossa expectativa de que o mundo tem que nos dar prazer constantemente, de que o mundo tem que me dar sempre essa sensação de prazer imediato. Um relacionamento não vai te dar um prazer imediato como o mundo está te entregando.
A sensação é de que, para nos sentirmos felizes, precisamos de mais e mais imediatismo. Isso cria uma sociedade emocionalmente mimada, porque nos distanciamos das coisas que exigem esforço. Amar passa a ‘dar trabalho’. Ao escolher esse caminho de proteção, de pouca conexão humana, viveremos uma ilusão."
- Sobre o seu novo livro, “Há sol na solidão: como abraçar o vazio e gostar da própria companhia”, o que mais te surpreendeu na recepção do público?
"Quando falo sobre a solidão, falo sobre vários aspectos da solidão. Escrevi parte do livro estando na cidade mais ao norte - habitável - da humanidade. Lá, confrontei vários sentimentos que achei que pudessem me colocar em um momento de solidão ou de solitude, no geral.
O que mais me trouxe surpresa na recepção do público, contudo, é o medo da solidão, é a dicotomia que você comentou. Aquele dilema entre ‘amar estar sozinho, mas morrer de medo de ficar sozinho’, ‘adorar estar com alguém, mas não ter paciência de se esforçar muito’.
Essa dicotomia em ‘eu quero companhia, mas também não quero me esforçar muito. Eu quero doar metade de mim, mas quero que o outro se doe por inteiro’. Essa sensação de querer alguém, mas de um jeito específico, criado na imaginação.
As pessoas se enganam achando que estão selecionando o que é bom para elas, mas só estão criando pré-requisitos para ter desculpas e para se autossabotar. Se dizem desapegados, mas, na verdade, estão se autossabotando por medo de se entregar, por medo da conexão íntima e por medo de não ser da forma como idealizam.
Alguém precisa ter coragem. Senão, todo mundo ficará idealizando a vida de dentro de casa."
Quem é
Fred Elboni, 33 anos, é um escritor com oito livros publicados e mais de 500 mil cópias vendidas.
Pós-Graduado em Filosofia do Autoconhecimento, ele fala sobre amor, vulnerabilidade, autoconhecimento, coragem, sensibilidade e outros temas do cotidiano.
Na entrevista, o escritor analisa a conjuntura da solidão na sociedade contemporânea.
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