Vício em telas: nova geração cada vez mais viciada
Crianças e adolescentes apresentam apresentam sinais de dependência aos aparelhos eletrônicos
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Situações como a do adolescente que ameaçou e prendeu a mãe, infelizmente, não são isoladas. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que há uma geração cada vez mais viciada.
O psicólogo Alexandre Vieira Brito, por exemplo, conta que 20% dos atendimentos em seu consultório são de dependência tecnológica na adolescência.
“Essa geração já nasce com tecnologia na palma da mão. É como se houvesse uma espécie de dependência mesmo do aparelho e, direta ou indiretamente, da internet”, afirma o psicólogo.
Mas como é possível reverter essa realidade enfrentada por muitos pais e jovens? No entendimento do psicólogo, é preciso haver um “detox” das telas.
“Isso realmente é muito tóxico. Veja bem, quando você consome a tela, ela também te consome. É muito parecido com o que acontece com as drogas, porém nesse caso, os jovens estão aprisionados em um mundo on-line”.
Fernanda Mappa, psiquiatra infantil, diz que, em média, 30% dos atendimentos em seu consultórios têm relação com eletrônicos.
“Quando eu falo em telas em geral, refiro-me a celular, tablet, jogos de console e TV. Os pais ou responsáveis, nesses casos, não buscam obrigatoriamente ajuda por essa razão, mas quando é investigado, percebe-se que tem história de relação excessiva ou uso abusivo de eletrônico”, explicou.
Ela destaca ainda que é possível se libertar desse vício.
“Isso é possível com muita orientação parental, ou seja, pais que consigam alinhar o discurso. Mas é indispensável um acompanhamento com psicólogo para fazer esses ajustes e auxiliar os pais na conduta com a criança, porque a retirada abrupta, do dia para noite não é o mais indicado”.
A psicóloga, especialista em adolescência e educação parental, Rosane Castilhos, salientou que a dependência tecnológica é um tema que vem sendo estudado há anos.
“Essa dependência ainda não é caracterizada como uma disfunção dentro dos manuais de diagnóstico de transtorno mental, mas a tendência é que passe a ser, como já aconteceu com jogos, que já têm um CID (Classificação Internacional de Doenças)”.
Ela acrescentou que a dependência se caracteriza por um padrão de comportamento – tanto no adulto, quanto no adolescente – em que há uma preocupação excessiva com o uso da tecnologia.
“Geralmente a pessoa fica desesperada para ter acesso à internet ou ao aparelho. Isso vai provocando uma necessidade e um impulso cada vez maior por aquilo, chegando até a comprometer a saúde física, emocional e social das pessoas.”
Por ser uma dependência como qualquer outra, Rosane salientou que ao serem impedidos de ter acesso, muitos adolescentes têm sensações de abstinência.
Mãe de três viciados em celular: “Não sei mais o que fazer”
Em uma abordagem aleatória no meio da rua, na tarde desta segunda-feira (29), em Jardim América, Cariacica, a reportagem perguntou a uma mulher que empurrava um carrinho de bebê se ela era mãe de adolescente e se ele era viciado em telas e jogos on-line.
Com um tímido sorriso, ela respondeu: “Um não, tenho três filhos viciados em celular e não sei mais o que fazer”.
À reportagem, ela, que é ajudante de cozinha e tem 33 anos, falou detalhes de como tem sido os seus dias e tentativas de tirar os filhos do vício on-line.
A Tribuna - Qual a idade dos seus filhos?
Mãe - "Eu tenho quatro filhos, um de um ano e oito meses, um de 7 anos e outros dois adolescentes, de 14 e 16 anos.
Os adolescentes são viciados em Free Fire, que tem armas, inclusive. O meu filho de 7 anos também é viciado, mas em outros joguinhos."
- Eles jogam pelo celular?
"O de 7 anos, no tablet. Os outros dois, no celular."
- Ficam quantas horas por dia jogando?
"Nas férias, eles passavam praticamente a noite toda sem dormir jogando. Mas, felizmente, as aulas começaram e eles ficam menos tempo jogando."
- Não impõe limites?
"Sim, mas eles não escutam. É muito difícil. Eu saio 7 horas para trabalhar e eles vão para a escola. Eu retorno por volta das 15 horas e eles estão jogando."
- Tenta mostrar para eles que há outro mundo sem ser o de telas, de jogos on-line?
"A todo o momento. Até que consigo com os meus filhos de 14 e 7 anos, mas o de 16 anos é muito difícil aceitar sair de casa.
Raramente ele aceita fazer algo e, quando saímos de casa, o celular sempre está na palma da mão do mais velho. Pior ainda é que quando a gente está entre amigos e familiares da mesma faixa etária, todos estão um do lado do outro, mas sem interagir.
Eu só consigo tirá-los de frente das telas do celular quando é para assistir a uma série, mas isso acontece enquanto os celulares estão carregando as baterias."
- E o rendimento escolar, é bom?
"Até que não posso reclamar, mas eles só não fazem dever de casa, pois ficam jogando."
- Já ameaçou tirar o aparelho deles ou limitar horários?
"Já fiz isso, mas eles não aceitam fácil. Às vezes eu preciso pedir três vezes para eles saírem um pouco do celular.
Mas confesso que é uma tarefa muito complicada, às vezes sinto uma sensação de impotência. No entanto, ao mesmo tempo eu fico na torcida para que tudo isso seja apenas uma fase e que eles voltem a gostar de fazer outras coisas sem ser jogar no celular."
Sinais de alerta
Crianças ou adolescentes que evitam sair de casa ou ir a locais que não têm sinal de internet.
Apresentam episódios de agressividade ou irritabilidade quando é solicitado que parem de usar o eletrônico.
Têm dificuldade para iniciar o sono, por conta da dificuldade em ficar longe das telas.
Pode haver inversão de padrão de sono, ou seja, “trocar o dia pela noite” jogando com seus pares.
Apesar de falarem muito em jogos on-line, muitos apresentam-se isolados socialmente, tendendo a se prender nessas amizades virtuais.
Dicas para o uso saudável da tecnologia
Converse com seu filho sobre a necessidade e os riscos do uso prolongado às telas.
Estabeleça regras para o uso dos aparelhos e, se necessário, use aplicativos de controle parental.
Crie tempo para estar com as crianças e adolescentes sem o uso das tecnologias.
Planeje as refeições sem qualquer uso de equipamentos à mesa, além de atividades de finais de semana ou férias fora e longe do wi-fi ou de computadores e celulares ou limitar o tempo de uso para uma a duas horas/dia para todos.
Pratique atividades ao ar livre e em contato com a natureza para prevenção da saúde física e mental/comportamental de todos da família.
Alguns riscos
Nomofobia
O uso excessivo de celular pode gerar dependência, conhecida hoje como nomofobia.
Significa “no mobile” (sem celular) + “fobia”, ou seja, um medo de ficar sem o aparelho mesmo por curtos períodos.
Comparações
A exposição excessiva pode gerar danos para a saúde mental.
Além disso, no que diz respeito às redes sociais, um uso equilibrado contribui para haver menos comparação com o outro, evitando sentimentos como frustração e baixa autoestima.
Aumento da ansiedade
O constante acesso às redes pode levar ao vício em tecnologia, aumentar a ansiedade, diminuir a qualidade do sono e prejudicar o foco e a concentração.
Fonte: Especialistas consultados e pesquisa A Tribuna.
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