Tabu: mulher que não quer ser mãe sofre preconceito
Invalidação das mulheres que não querem ter filhos tem raiz histórica
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A ideia de que uma família é completa apenas quando há um filho é tão naturalizada que muitos casais nem questionam, criticamente, o desejo por uma criança.
Para as mulheres, o cenário é ainda pior: a pressão familiar e sociocultural ainda faz com que muitas delas se tornem mães para atender a expectativas.
A análise é feita por especialistas ouvidos pelo jornal A Tribuna. Ao negar a possibilidade de ter filhos, a mulher sofre cobranças familiares e sociais. Algumas, até mesmo, vão aos consultórios de psicologia para uma decisão mais clara sobre a maternidade, conta a psicóloga clínica Luiza Bazoni.
“A opção de dizer não à maternidade ainda é um tabu para a sociedade. A mulher que escolhe não ter filhos precisa lidar com a opinião pública e até mesmo acusações como: ‘você está negando sua própria natureza’, ‘você é egoísta’, ‘só pensa no trabalho’, ‘não se importa com a família’”.
A psicóloga da Rede Meridional Rachel Borges defende que é preciso garantir que as mulheres tenham a decisão sobre a maternidade respeitada e validada.
A especialista explica que a invalidação social da decisão da mulher em não ter filhos tem raiz histórica.
“Por muito tempo, a mulher foi criada para ser submissa e seu papel social era cuidar da casa, dos filhos e do esposo. Desconstruir esse padrão de papel atribuído historicamente à mulher não é tão simples. A questão não é se devemos ou não ter filhos, mas se queremos ou não”.
Rachel Borges analisa, ainda, que as mulheres sentem medo do impacto físico e mental da dedicação exigida aos cuidados com um filho. “A sobrecarga na rotina vivenciada pelas mulheres tem forte peso nessa decisão”, acredita a especialista.
Nas últimas décadas, as mulheres estão mais focadas na vida acadêmica e profissional, assumindo cargos mais altos no mercado de trabalho, o que influencia a decisão de não ter filhos, analisa a sexóloga Claudia Marriel.
“Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, mas a nova geração de mulheres está se libertando cada vez mais desses tabus e está assumindo o papel de mulher que pode decidir se quer ou não ser mãe, independente da cobrança da sociedade e viver bem com sua decisão”.
“Estamos bem sem filhos”
A cantora e policial civil Graciella D’ Ferraz, 50 anos, e o empresário Júnior Luiz Costa, 37, decidiram por não ter filhos desde que se conheceram.
“Estamos perto da aposentadoria, quando iremos aproveitar mais e viajar. Estamos bem sem filhos. Eu tenho uma vida muito corrida com minhas duas profissões que, geralmente, são à noite. Acredito que precisamos ter muita abdicação e responsabilidade, ainda mais vivendo num mundo tão perigoso”.
Embora não tenham filhos, Graciella e Júnior contam que convivem e amam crianças.
“Temos nossos sobrinhos e filhos de amigos, que sempre estão na nossa casa. Temos carinho por todos! Criança é uma dádiva, mas as pessoas precisam planejar. Temos de ter seriedade com esse assunto!”, opina.
Confira os mitos
“Casais sem filhos envelhecerão sozinhos”
Pessoas sem filhos devem planejar a sua autonomia na terceira idade e pensar numa rede de apoio. No entanto, pesquisas afirmam que ter filhos não é uma garantia de cuidado.
É preciso desmistificar que só os casais que tiveram filhos terão suporte na velhice, pois é possível passar pela terceira idade com autonomia e qualidade, independente de ter filhos ou não.
Por isso, a ideia de que casais sem filhos envelhecerão sozinhos é um mito.
“Pessoas sem filhos não são felizes”
Pesquisas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, revelam que não existe esta relação. A pesquisa não encontrou diferenças significativas nos níveis de satisfação com a vida, bem como nos traços de personalidade, entre pais e pessoas sem filhos.
Portanto, cada pessoa deve decidir o que trará satisfação, pois a felicidade está no que faz bem a cada um. O que não dá para fazer é tomar uma decisão tão importante com base na opinião alheia.
“Toda mulher nasceu para ter filhos”
Historicamente, o papel social atribuído às mulheres era de cuidar da casa, do lar e da família. Por isso, acreditava-se que toda mulher deveria ter filhos.
Essa ideia, contudo, reflete o preconceito da sociedade patriarcal, que trata a identidade de gênero feminina e a maternidade como indissociáveis, como se mulheres só existissem para ter filhos. Mais do que nunca, essa ideia deve ser combatida. A liberdade de decisão sobre a maternidade é um direito básico das mulheres.
“Casais sem filhos não gostam de crianças”
A escolha por não ter filhos não necessariamente tem uma relação com a afinidade por crianças. Um casal pode optar por viver sem um filho e, ainda assim, gostar de crianças.
A escolha por negar a maternidade e a paternidade, na verdade, tem base social, cultural, econômica e subjetiva. Com o crescimento urbano, o aumento do custo de vida, o maior acesso à educação e ao planejamento social, as famílias grandes tendem a se tornar mais raras.
“Pessoas sem filhos são egoístas”
Nem sempre pessoas sem filhos colocam os próprios interesses, desejos, opiniões e necessidades em primeiro lugar. Alguém que escolhe uma vida sem filhos pode ser generoso, que se dedica aos sobrinhos, aos afilhados, aos pais e aos avós, por exemplo.
Além disso, não há problema em alguém priorizar os próprios desejos a ter um filho. A ideia do egoísmo de alguém sem filhos, como um julgamento, não reflete todas as experiências relacionadas a essa escolha.
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