Aposentado tenta retomar casa invadida pelo tráfico
Expulso por criminosos há oito anos, idoso recorre à Justiça. Bandidos chegaram até a alugar o imóvel, que fica em Cariacica
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Aos 80 anos, um psicólogo aposentado luta para retornar à sua casa e reconquistar os bens que adquiriu com o dinheiro da aposentadoria. Há oito anos, em meio à greve da Polícia Militar, em que crimes patrimoniais e contra a vida aumentaram, ele foi forçado a sair de casa.
Diante de ameaças, ele não viu outra alternativa a não ser abandonar a residência, no bairro Padre Gabriel, em Cariacica, onde estava morando havia um ano.
“Na época, as coisas já estavam difíceis, com quase nenhum efetivo policial nas ruas. De repente, chegaram à minha casa e me mandaram sair, alegando que iriam colocar fogo em tudo. Eram quatro homens”, completou.
Ele acionou a polícia na expectativa de ao menos reaver o carro que estava na garagem, mas não teve sucesso. Mesmo após procurar a delegacia e a Defensoria Pública, o caso já se arrasta por mais de oito anos.
O aposentado, que não está sendo identificado por questão de segurança, segue sem esperanças de recuperar seus bens, já que os criminosos que o expulsaram chegaram a alugar o imóvel para terceiros.
Para o advogado Alaor de Queiroz Araújo Neto, membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Espírito Santo (OAB-ES), o Ordenamento Jurídico brasileiro prevê algumas medidas para impedir agressões iminentes que ameacem a posse, assim como para remediar possível “esbulho”, ou invasões de propriedades.
“A primeira atitude a ser tomada deve ser o registro de boletim de ocorrência na delegacia mais próxima, ou eletronicamente, e, em sequência, buscar pelo suporte jurídico de advogados especializados em Direito Imobiliário para que sejam apresentadas soluções para o caso específico, garantindo o suporte técnico por todo o árduo caminho até a restituição de posse e regularização do imóvel”, frisou.
O aposentado ressaltou que fez todos os procedimentos legais, mas lamentou não ter recebido retorno.
Procurada por A Tribuna, a Defensoria Pública do Espírito Santo não havia enviado retorno até o fechamento desta edição. Já a Polícia Civil, também demandada, disse que foi instaurado inquérito policial no 17º Distrito Policial de Cariacica. “A vítima já foi ouvida na delegacia e os autos estão em processo de digitalização no Tribunal de Justiça”, completou a nota.
O advogado Alaor de Queiroz Araújo concluiu que as consequências para a invasão ilegal de propriedade, especialmente sob ameaças, são diversas. Os responsáveis poderão responder civil e criminalmente pelos atos.
“Eu só quero minha casa em paz”
A Tribuna- Como tem sido essa luta?
Aposentado- É uma batalha árdua, uma verdadeira provação. Comprei tudo com o suor da minha aposentadoria, e ver tudo ser levado assim é devastador. Eu só quero minha casa em paz.
Como foi expulso?
Foi ameaçador. Chegaram dizendo que eu tinha que sair, sob ameaça de incêndio na casa. Foi um momento de grande vulnerabilidade porque, em meio à greve da polícia, sabia que não adiantaria chamar a polícia.
Conhecia sua vizinhança?
Havia um indivíduo que me conhecia bem, mas parece que usou isso contra mim. Apesar de morar lá, na época eu estava cursando Psicologia em uma universidade particular da Avenida Vitória, na capital, por isso, aluguei uma casa no Centro e voltava para Cariacica apenas nos finais de semana. Creio que já estava sendo observado.
Como tem sido lidar com a burocracia e a falta de resposta das autoridades?
É frustrante. Desde 2017, estou nessa batalha, buscando justiça. A sensação de impotência é grande. Só consegui voltar lá meses depois com a polícia e já havia gente morando lá de aluguel. Foi um choque. Desde então, não retornei, por medo de represálias.
Qual é a sua esperança para o futuro dessa situação?
Minha esperança é que a justiça prevaleça e que eu possa recuperar o que é meu por direito. É uma luta que continuarei travando. Gostaria que soubessem que isso pode acontecer com qualquer um. É um alerta sobre a vulnerabilidade dos idosos e a importância de proteger seus direitos.
Qual foi seu prejuízo?
Bom, além da casa, levaram meu carro. Lá também tinha uma escrivaninha com meus trabalhos de faculdade. Eu gostava de estudar lá aos finais de semana, mas o prejuízo maior é o emocional, em perceber que aos meu 80 anos ninguém parece poder me ajudar, e criminosos passam a usar meus bens.
Bandidos já tomaram 500 imóveis, diz polícia
O caso do aposentado que teve o imóvel invadido por traficantes não é isolado. A Tribuna divulgou em março de 2023 que a Polícia Civil está no rastro de quadrilhas que são acusadas de expulsar e até matar moradores com um único propósito: tomar terrenos e depois vendê-los pela internet.
A Polícia Civil, por meio da Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoas de Vila Velha, estima que a quadrilha investigada tenha conseguido tomar posse de cerca de 500 imóveis na região, já que há grandes loteamentos, lançados por uma construtora.
Em Interlagos, Vila Velha, ocorreram três homicídios motivados por invasões e venda de lotes.
Inicialmente, o alvo era só Vila Velha. Os criminosos invadiam pequenos terrenos e vendiam para terceiros, mas, com o passar do tempo, foram ampliando as áreas de atuação para todo o Estado. A prática, então, se espalhou, sendo adotada por diferentes grupos criminosos.
Para o advogado Alaor de Queiroz Araújo, “compete ao Poder Judiciário exercer sua designação de resolução de conflitos, analisando detidamente as provas e argumentos apresentados em Juízo, para, somente após o devido processo legal, estabelecer quem, de fato, é o detentor da posse e propriedade”.
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