Especialistas revelam como vai ser a alimentação do futuro
“Carnes” à base de fungos e até farinhas feitas de larvas de moscas estão sendo estudadas para fazer parte do cardápio
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Ainda nos tempos bíblicos, João Batista, primo de Jesus, se alimentava de gafanhotos e mel silvestre, conforme relatado na Bíblia. Hoje, com a variedade de alimentos, comer insetos não é uma prática comum no Ocidente.
Mas, com a crescente preocupação ambiental e a busca por alternativas sustentáveis, a alimentação humana está passando por mudanças: plantas, insetos e fungos estão sendo adotados como fontes nutritivas. “Carnes” à base de fungos e até farinhas feitas de larvas de moscas estão sendo estudadas para fazer parte da alimentação da população em geral.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) prevê para 2050 um aumento estimado de 9 bilhões de pessoas no mundo, podendo resultar numa pressão ainda maior sobre a produção de alimentos. Desde 2013, a FAO vem recomendando o consumo de insetos no combate à fome.
“Os insetos alimentícios têm o dobro ou mais de proteínas do que carne, frango, peixe e alguns vegetais. É uma proteína de boa e rápida digestibilidade. No caso dos insetos, inclusive, eles são indicados como pré e pós-treino”, explica o biogastrólogo Casé Oliveira, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Insetos.
Grilos, gafanhotos, algumas espécies de besouros e de formigas são os mais comercializados, segundo Casé.
O doutor em Bioquímica Wilton Cardoso, professor do curso de Ciência e Tecnologia dos Alimentos do Ifes de Venda Nova, tem pesquisado sobre o uso do micélio (parte vegetativa de um fungo que forma cogumelo).
“Com o micélio é possível produzir 'carne' e 'couro'. O teor de proteína do micélio varia de 12% a 30%. Está em pesquisa ainda colocar dentro do micélio alguns minerais, como lítio, que serviria para pessoas com depressão. A ergotioneína, por exemplo, é um poderoso antioxidante, feito a partir do micélio, que diminui os efeitos da idade no corpo”, afirma o professor.
NOVOS ALIMENTOS
Grilos
O grilo preto (Gryllus assimilis) é um dos tipos mais consumidos no mundo. O inseto é uma fonte rica em fibras, proteínas (cerca de 60%), vitaminas e minerais.
O cientista de alimentos Antonio Bisconsin Junior, da Unicamp, produziu em sua tese de doutorado uma farinha proteica de grilos – uma espécie de whey protein –, desenvolvida com tecnologias emergentes não térmicas, em parceria com o Instituto Leibniz para Tecnologia Agrícola e Bioeconomia (Alemanha).
Tanajuras
As formigas, conhecidas também como içá, são fonte de alimento para diversas etnias indígenas. No interior de São Paulo e no Nordeste são consideradas iguarias culinárias, que vêm ganhando espaço inclusive em restaurantes requintados. No Rio de Janeiro, uma hamburgueria criou o “tanaburguer”, hambúrguer finalizado com tanajura. No sertão de Pernambuco, é comum encontrar nos bares tira-gostos feitos com tanajura. Cem gramas da parte comestível da tanajura fornecem 20% de proteínas, 28% de lipídios, além de cálcio, ferro e vitaminas.
Gafanhotos
Os chapulines são um tipo de gafanhoto comumente servido como petisco em algumas partes do México. De acordo com a ONU, gafanhotos e grilos são uma ótima fonte de gorduras boas, e o percentual de proteínas nos alimentos à base desses insetos pode chegar a até 69% do total. Em Israel, empresas já investem em alimentos e até mesmo guloseimas à base de gafanhotos.
Micélio
Os micélios dos fungos, ou redes fúngicas, têm o mesmo potencial nutricional dos cogumelos. A carne de micélio possui 14% de proteína em sua composição.
A Ecovative, empresa norte-americana de tecnologias sustentáveis baseadas em micélio, desenvolveu bacon a partir dos fungos.
Besouros
São os insetos mais consumidos no mundo. Existem muitos tipos de besouros comestíveis, incluindo escaravelhos (larvas e adultos).
Na Alemanha, a BugFoundation vende hambúrgueres que levam 45% de uma mistura proteica feita à base de soja e larvas do besouro Alphitobius diaperinus, conhecido no Brasil como cascudinho. De acordo com os fabricantes, o sabor lembra sementes de girassol ou amendoim.
PANCS
As Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) possuem alto teor de nutrientes. Entre as mais conhecidas estão ora-pro-nóbis, peixinho, physalis, vinagreira e azedinha. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), existem de 7 a 30 mil espécies de plantas que podem ser consideradas comestíveis pelos seres humanos.
Tenébrio Gigante
Pesquisa desenvolvida na Universidade do Sudoeste da Bahia avalia como o tipo de abate e as temperaturas de secagem utilizadas influenciam a qualidade do tenébrio com relação ao seu valor nutricional, segurança microbiológica e características para aplicação na indústria. O próximo passo será o desenvolvimento de uma farinha. Os insetos podem conter até 70% de proteína.
Tenébrio Molitor
Também conhecido como larva-da-farinha, é rico em proteínas (aproximadamente 50%), gordura, ácidos graxos essenciais, vitaminas e minerais. Na Europa, em 2021, a larva tornou-se o primeiro inseto aprovado pela Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) como comida. As larvas podem ser usadas em farinha para fazer biscoitos, massa, pão, hambúrguer e almôndega.
Fonte: Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), USP, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Unicamp, pesquisa AT e especialistas consultados.
Água-viva e algas
Variedades comestíveis de água-viva são consumidas há gerações em algumas partes da Ásia. Elas são pobres em carboidratos e ricas em proteínas, mas tendem a estragar facilmente à temperatura ambiente. O consumo de algas também está se espalhando para além da Asia e deve continuar crescendo, em parte devido ao seu valor nutricional e sustentabilidade, pois as algas marinhas não precisam de fertilizantes para crescer e ajudar a combater a acidificação dos oceanos.
Larvas da mosca soldado-negro
As moscas conseguem transformar qualquer tipo de resíduo orgânico em proteína de alta qualidade. Estima-se que, em sua fase larval, a mosca apresente uma porcentagem de proteínas que varia de 40% a 63% e de lipídios que pode chegar a 35%. Pesquisa da USP vem desenvolvendo alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca, como pães e salsichas.
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