Filho ameaça e prende a mãe em casa por causa de internet
Adolescente de 17 anos foi detido após intimidar a mãe com uma faca e trancá-la na residência após reclamar de lentidão na conexão
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Lentidão na conexão com a internet. Esse teria sido o motivo que teria levado um adolescente de 17 anos a prender a mãe dentro de casa, usando um cadeado para fechar o portão e impedir que ela saísse, além de ameaçá-la com uma faca.
Até um policial militar foi agredido com um soco no rosto durante o atendimento da ocorrência, mas o jovem foi desarmado e imobilizado.
Detido, o adolescente foi conduzido para a Delegacia Especializada do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle) e autuado por ato infracional análogo aos crimes de ameaça, violência psicológica e cárcere privado, todos na forma da Lei Maria da Penha, injúria racial, sequestrar pessoa com o fim de obter vantagem, resistência e desobediência.
Ele foi encaminhado ao Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo (Ciase), segundo a Polícia Civil.
Tudo aconteceu no último sábado (27), no bairro Sotelândia, em Cariacica. A Polícia Militar informou que quando chegou ao endereço – após denúncia – ouviu um grito de socorro, enquanto verificava o portão, que estava trancado.
Segundo a PM, ainda da calçada, eles viram o adolescente com uma faca e, novamente, ouviram gritos de socorro da vítima.
Desesperada, a mulher conseguiu jogar uma chave pela janela.
Ao abrir o portão, um dos policiais foi surpreendido e agredido pelo adolescente. Houve luta corporal, mas o menor foi desarmado e algemado.
Aos policiais, a mulher contou que as agressões iniciaram quando o filho reclamou que a internet que ele havia dado o dinheiro para ser paga, não estava funcionando.
Na tarde desta segunda-feira (29), a reportagem esteve no bairro e tentou falar com a mãe. No entanto, apesar das janelas da casa estarem abertas, ninguém apareceu. O portão estava trancado com cadeado.
Vizinhos ouvidos pela reportagem também disseram que viram a polícia na frente da casa, mas não souberam dar detalhes do que aconteceu.
O titular da Deacle, Fábio Pedroto, explicou que, de forma geral, em casos envolvendo menores de idade não há pena atribuída a eles, e sim medidas socioeducativas. “Essa pena pode ser desde uma advertência, até prestação de serviços à comunidade ou uma internação por, no máximo, três anos”, frisou.
Fábio Pedroto, delegado: “Na vida real não tem ‘arrasta pra cima'”
Longe de serem únicos, casos de violência ligados à abstinência ou imposição de regras para uso de tecnologia, como ocorreu no último sábado, têm chegado à polícia.
O titular da Delegacia do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle), Fábio Pedroto, destacou a preocupação com a perda da capacidade por parte de muitos adolescentes em resolverem seus problemas e lidarem com frustrações. “Na vida real, se a pessoa não gosta de algo, não tem o ‘arrasta pra cima’”.
A Tribuna - Casos de violência por parte de adolescentes, ligados à tecnologia, têm chegado à polícia?
Fabio Pedroto - "Nós temos observado, sim, um aumento dos casos de intolerância de adolescentes, principalmente quando são restringidos em seus acessos às redes sociais. Há adolescentes que não admitem a frustração de não terem acesso às redes."
- Isso preocupa?
"Sim, porque esses adolescentes passam muito tempo conectados e isso prejudica o desenvolvimento das habilidades interpessoais deles. Quando passam por frustrações – como essas impossibilidades de acesso à rede ou aos aparelhos – isso gera, infelizmente, atos de violência verbal ou até mesmo de violência física."
- O que é possível fazer para reverter esse quadro?
"Primeiramente, os responsáveis devem acompanhar o que a criança ou adolescente acessa, estabelecendo uma faixa etária de conteúdo. Segundo ponto, é reduzir tempo de tela. Quanto mais tempo de tela, menos tempo de relação interpessoal.
Eles têm que estimulá-los a atividades com outros menores, porque eles precisam desenvolver habilidades para gerenciar seus problemas da vida real, o que a tela não propicia."
- Muitos perderam a habilidade de se relacionar no mundo real?
"Sim. O problema das redes é a instantaneidade e o imediatismo da informação. Essas crianças e adolescentes acessam centenas de vídeos por dia, bastando arrastar para cima que estarão em outro. Isso pode induzi-los a achar que na vida real eles podem resolver problemas reais 'arrastando pra cima'. 'Não gostei do vídeo? Arrasto pra cima'. Mas na vida real não tem o 'arrasta pra cima'. Há outras formas de solução de conflitos."
Criança apresenta mudança de comportamento
Quem se vê diante de um verdadeiro desafio para ajudar o filho de 7 anos a se libertar dos jogos on-line é uma empresária de 45 anos.
À reportagem, ela contou que há cerca de dois anos percebeu que a tecnologia estava fazendo mal ao seu filho, que começava a apresentar mudança de comportamento.
“Por dois meses, ele ficou longe das telas, mas depois foi caindo na rotina e eu e o meu marido ficamos mais permissivos e deixamos que ele jogasse aos finais de semana”, relatou a empresária.
Só que ele adotou uma estratégia e, enquanto os pais dormiam até um pouco mais tarde aos sábados e domingos, ele acordava às 6 horas para jogar.
A situação foi ficando mais caótica. “Neste ano, percebemos que ele está muito aéreo, a gente fala as coisas e ele fica no mundo da lua, inclusive está assim até hoje. Ele não sabe o que comeu no horário do almoço”.
Ao procurar a escola por outro motivo, a diretora relatou que o menino estava com o desenvolvimento cognitivo comprometido.
“Ele sempre foi muito inteligente e um dos primeiros da sala de aula. Começou a ler com 4 anos e oito meses e agora está atrasado, fica viajando nas aulas com coisas do imaginário”.
Foi então que a família decidiu buscar ajuda de uma psiquiatra infantil. “Estamos buscando um diagnóstico para ver se é ansiedade, déficit de atenção ou se é só a tela mesmo que está ocasionando essa mudança drástica de comportamento”.
Diante de toda a descoberta, o menino ficou totalmente agressivo. “Ele chegou a querer bater no pai, me desafiar, dizendo que eu não mando nele, gritar, espernear, chorar, bater boca. Ele nunca foi assim, sempre foi um filho muito querido”, contou a mãe.
A última discussão, segundo ela, foi no último domingo (28). “Eu perguntei se o jogo é mais importante que a família dele, que a vida dele, que a saúde e ele disse que não. Foi aí que ele se comprometeu a ficar sem jogar desde ontem (domingo, 28) à noite. Ele joga Roblox, que é de montar cenários, e tem chat também. Estamos monitorando tudo e torcendo que tudo passe logo”.
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