Pais vão à Justiça por danos à saúde mental dos filhos
Casos ocorrem nos EUA, onde famílias que perderam filhos por suicídio processam empresas proprietárias de plataformas sociais
Escute essa reportagem
Em uma onda de ações judiciais contra empresas donas de redes sociais nos Estados Unidos, centenas de famílias têm buscado reparação por supostos “danos físicos, mentais ou emocionais” sofridos por crianças e adolescentes que usam as plataformas.
Famílias alegam que a crise de saúde mental entre as crianças é alimentada pelos produtos “defeituosos”, “viciantes” e “perigosos” dessas empresas. As famílias das vítimas pedem que as empresas suspendam práticas apontadas como prejudiciais e, em muitos casos, cobram indenizações.
Leia mais notícias Internacionais
Uma das vítimas é Morgan Pieper, uma adolescente americana que se suicidou aos 15 anos. Segundo a mãe, Kristina Cahak, em entrevista à BBC News Brasil, a filha começou a usar redes sociais aos 12 anos. Diz, ainda, que o uso afetou o sono da adolescente, que passou a se automutilar.
Mesmo com ajuda de um psicólogo, a mãe relatou que Morgan continuava vendo e postando material sobre depressão, automutilação e suicídio em várias contas abertas com identidades falsas que Kristina não sabia que existiam.
A família só descobriu a vida digital paralela de Morgan após sua morte, em 2015. A mãe ingressou com uma ação contra a Meta, proprietária do Facebook e Instagram, e a Snap, dona do Snapchat.
Processos de outras famílias também têm como alvo o Google, que administra o YouTube, e a ByteDance, que cuida do TikTok.
As empresas afirmam que estão constantemente implementando e atualizando ferramentas e recursos para proteger crianças e adolescentes. Já os autores das ações dizem que as medidas são insuficientes e mal fiscalizadas.
Além das famílias, mais de 40 estados americanos entraram com um processo contra a Meta, onde acusam Facebook e Instagram de prejudicarem “a saúde física e mental dos jovens”, de acordo com o documento apresentado no final do ano passado perante um tribunal na Califórnia.
Procuradores-gerais dos estados que entraram com a ação afirmam que a empresa “negligenciou o dano considerável que essas plataformas causaram à saúde mental e física dos jovens”. A ação legal é o resultado de investigações iniciadas em 2021, que também acusa a Meta de violar a Lei de Privacidade Infantil.
Especialistas fazem alerta no Brasil
Enquanto batalhas judiciais vêm sendo travadas em tribunais americanos, especialistas no Brasil também apontam a piora da saúde mental e alertam pais para o monitoramento dos filhos nas redes.
A psicóloga e psicanalista infantojuvenil Paula Santos destacou que o monitoramento da família sobre os conteúdos acessados pelos filhos é a ação mais eficaz contra a influência desses aspectos na saúde mental da criança.
“Também é preciso limitar o tempo de uso, promover outras opções de atividades e aumentar o contato da criança com a natureza e com o livre brincar”.
Ela reforçou que os pais e responsáveis devem estar atentos aos sinais que o filhos apresentam e não hesitem em procurar ajuda profissional. “Mudança de comportamento, tempo no quarto, isolamento social, obesidade, utilização de roupas que escondem marcas no corpo, falta de interesse por atividades que gostavam, dificuldade em falar e acessar os sentimentos dos filhos são alguns sintomas que podem ser observados”.
Do ponto de vista jurídico, o doutor em Direito e professor da FDV Paulo Neves Soto explicou que a legislação brasileira é diferente da americana. Por isso, demandas semelhantes às feitas nos Estados Unidos por famílias e estados “não prosperariam”.
“Atualmente, a lei que trata do tema é o Marco Civil da Internet, em que é definida uma responsabilidade meramente subsidiária por publicações de terceiros”.
Soto explica que, além disso, só se admite hoje responsabilidade após empresas terem descumprido decisão judicial prévia, em que tenham sido advertidas.
Ele enfatiza, no entanto, que com o avanço da Inteligência Artificial, que potencializa o controle das redes sociais sobre “nossa vida digital”, já existe uma proposta de alterar esse sistema.
O projeto de reforma do Código Civil, segundo o professor, propõe mudanças nesse sentido, revogando a regra de que provedores só podem ser responsabilizados por conteúdos publicados por terceiros após ordem judicial.
“Se houver alteração, as demandas poderiam ter chance de reconhecimento. Pessoalmente, acho difícil comprovar o nexo de responsabilidade das empresas sem uma prova técnica robusta”.
Comentários