Otávio Augusto chega a Vitória com a peça “A Tropa” neste fim de semana
São abordados temas como polarização e respeito a opiniões diferentes
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Numa sociedade polarizada, com opiniões completamente divergentes, fica a dúvida de como agir diante de uma opinião diferente da sua. É melhor ficar quieto ou falar o que pensa?
Aos 79 anos, o ator paulista Otávio Augusto dá sua opinião: “A discussão ponderada, respeitosa e preocupada em harmonizar as diferenças é sempre o melhor caminho. O único caminho, eu diria”, afirma, em bate-papo com A Tribuna.
O artista também aborda o conflito de posições ideológicas, políticas e sociais no premiado espetáculo “A Tropa”, que celebra suas seis décadas de carreira e já foi assistido por mais de 20 mil pessoas.
“O grande mérito da peça é colocar em cena essa discussão tão atual que é a polarização da sociedade brasileira, sem partidarismos. Esse é o papel do teatro: apresentar as contradições humanas, discuti-las. Não necessariamente oferecer respostas, mas formular perguntas. É por isso que amo tanto o meu ofício”, salienta.
A peça chega a Vitória neste fim de semana, abrindo a 16ª edição do Circuito Cultural Unimed. Nela, Otávio interpreta um ex-militar autoritário que, no leito do hospital, é confrontado por vários embates diante de quatro filhos tão diferentes.
“É a primeira vez que eles se reúnem com o pai após o falecimento da mãe, que era o verdadeiro esteio da família. Então, sem a presença afetuosa e decisiva dela, tudo se acirra e as mágoas, os traumas, as lembranças e os segredos vêm à tona”.
Casado há 36 anos com a atriz Cristina Mullins, Otávio Augusto é pai de Manuela e Mariana, frutos do relacionamento com a também atriz Beth Pinho. Sobre o desafio de cuidar de uma família em meio a tantos trabalhos relevantes, ele diz:
“Não sei se isso é um complexo de todo pai artista, mas acho que poderia ter feito mais, ter sido mais presente, mais sensível... Se a criação de filhos já não é uma tarefa fácil, conciliar o papel de pai e ator foi especialmente desafiador. Mas, felizmente, não sacrifiquei minha relação com elas ao ponto que chegou meu personagem em 'A Tropa'”.
“A vida fora de cena é apenas um intervalo”
A Tribuna- Como é comemorar 60 anos de carreira nos palcos do teatro?
Otávio Augusto- Olha, eu confesso que levei um susto quando me disseram '60 anos de carreira'. São tantos anos na estrada, trabalhando tanto, que não sobra tempo para fazer esses cálculos. (Risos)
Fiz teatro, cinema, TV, rádio, publicidade, dublagem, até circo. Tudo ao mesmo tempo! Mas o teatro é mesmo especial. É o meu grande exercício, o lugar que mais gosto de estar. Fico muito comovido de estar em cena, aos quase 80 anos, comemorando todo esse tempo de carreira… São poucos os que conseguem. Acho que devo esse feito à minha teimosia! (Risos)
Como é reencontrar esse personagem a cada temporada?
Minha grande motivação – ou melhor, diversão – é criar personagens que não são óbvios, partindo do óbvio do texto. O pai de “A Tropa” ilustra bem isso. É um coronel do Exército, autoritário, conservador, duro… Mas tento fazê-lo o mais carismático possível. Ao longo desses oito anos em cartaz, já fiz esse personagem de tudo quanto é jeito: mais carente, mais cínico, mais debilitado, mais feroz, mais patético. Sem nunca abandonar as características fundamentais dele (a prepotência, a rigidez moral).
Como um artista que viveu a ditadura, é um personagem completamente desafiador?
O maior desafio é interpretar um personagem tão controverso, e por vezes tão cruel, sem perder o humor de vista. É um equilíbrio delicado, mas muito estimulante.
Já viveu personagens parecidos ao longo de sua trajetória?
Já interpretei muitos pais de família. Aliás, comecei a minha carreira interpretando um patriarca em 1969, na peça “Na Selva das Cidades”, um espetáculo inesquecível do Teatro Oficina, com direção do meu amado e saudoso Zé Celso. Eu não tinha nem idade para o papel, mas com a ajuda do mestre Eugenio Kusnet, um dos maiores professores de interpretação deste País, consegui dar conta do recado.
Mas há pouco tempo interpretei um personagem bem próximo ao coronel de “A Tropa” no filme “Eduardo & Mônica” (2020), de René Sampaio. Meu personagem era um avô também militar e conservador.
Como é trabalhar com essa nova geração de atores?
Venho do teatro de grupo, feito por jovens e para os jovens. Nossas plateias eram todas de gente muito moça, estudantes. O que mudou, no teatro foi a faixa etária das plateias. Mas, ao longo da minha carreira, sempre procurei estar perto da garotada. Esse frescor, essa maneira nova de pensar, de estar diante do mundo, me estimula muito.
No caso da nossa “Tropa”, somos mesmo uma família. Sentimos saudade uns dos outros, eles me chamam de pai. E todo ano a gente acha que vai se despedir, mas o amor que nos une é mais forte, e a gente sempre volta ao cartaz.
Manter sua família longe dos holofotes foi uma escolha sua?
Não fiz isso de caso pensado, não. Tive uma carreira tão intensa, tão dedicada aos personagens, às produções, que é natural que a minha vida particular tenha ficado em segundo plano. Muita gente até hoje não sabe que sou casado com a atriz Cristina Mullins. E olha que temos quase 40 anos de união! (Risos)
Pensa em se aposentar?
Artista não se aposenta. Não penso nisso nem por um segundo sequer. Até passo mal quando não estou em cena. Ser ator é parte integrante do meu ser. Eu infernizo a produção da peça, ligo para eles todos os dias, sugerindo cidades pra gente levar o espetáculo, perguntando quando vai ser a próxima apresentação.
Tenho a nítida sensação de que a vida fora de cena é apenas um intervalo. Só me sinto vivo de verdade quando estou em cima de um palco ou dentro de um estúdio. Quero continuar trabalhando até depois da morte, se possível. (Risos)
Serviço
“A Tropa”
O quê: Comédia dramática com Otávio Augusto, Alexandre Menezes, Daniel Marano, Alexandre Galindo e André Rosa. Direção de Cesar Augusto e texto de Gustavo Pinheiro.
Quando: Sábado (15), às 20h, e domingo, às 17h.
Onde: Teatro da Ufes, Goiabeiras.
Ing.: A partir de R$ 19,80 (Mezanino/meia).
Venda: Site sympla.com.br.
Clas.: 14 anos.
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