Médica vence INSS na Justiça após esperar 19 anos por aposentadoria
Dermatologista, que tem 70 anos, entrou com 13 pedidos no instituto para ter direito ao benefício. Ela vai ingressar com ação de revisão de valores
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Dezenove anos. Foi esse o tempo que uma médica dermatologista, que hoje tem 70 anos, esperou para se aposentar. Isso só foi possível após vencer o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na Justiça.
Em 2005, ao solicitar pela primeira vez a aposentadoria ao INSS, sem êxito, ela tinha 30 anos, nove meses e 11 dias de contribuição.
Atuando em sua defesa desde 2019, o advogado João Eugênio Modenesi Filho conta que o caso dela é marcado por “uma série de sucessivos erros do INSS”. Segundo ele, durante 19 anos, foram feitos 13 pedidos de aposentadoria.
“Esse caso foi um dos mais difíceis em que atuamos porque o médico, em si, tem quase que um Direito Previdenciário médico específico. A carreira já é meio confusa porque ela trabalha para rede pública, plano de saúde, rede privada, e faz um monte de recolhimento das fontes de renda”.
Segundo o advogado, quando a médica solicitou a aposentadoria pela primeira vez, o INSS não considerou como especial os períodos que ela trabalhou exposta a agente insalubre. Foi aí que, pela primeira vez, ela recorreu à Justiça.
“Ela brigou de 2005 a 2010 com o INSS para ter direito ao benefício. Em 2010, conseguiu. Só que ela estava esperando receber cinco salários mínimos (R$ 2.550 à época), mas o benefício não dava dois salários (R$ 1.020)”.
Ela, então, foi a agência do INSS para ver o que estava acontecendo.
“Lá, foi informada que realmente estava errado e foi sugerido que ela renunciasse a aposentadoria e entrasse com novo pedido para que fosse acertado. Foi o que ela fez, o que foi o maior erro da vida dela”.
No entanto, no novo pedido, o INSS disse que ela não tinha mais o direito a se aposentar. “Foram mais de 10 pedidos na sequência, e na maior parte negavam o benefício dizendo que faltava documento”.
Em 2019, a defesa decidiu abrir mão de todos os pedidos que havia feito e começar do zero a solicitação de aposentadoria por tempo de contribuição. “Hoje dá mais de 49 anos de contribuição”. Na semana passada, ela conseguiu se aposentar por meio de uma decisão liminar. A reportagem teve acesso ao documento. Ainda cabe recurso.
Mas a história não acabou. Mesmo aposentada, ela vai ingressar com ação pedindo a revisão, já que, pelos cálculos, a renda deveria ser de R$ 3.638,50 e, segundo ela, o valor recebido é de R$ 1.536,82.
"É uma falta de respeito", diz médica
A médica, que pediu para o seu nome não ser divulgado, conversou na quarta-feira (23) com a reportagem e falou sobre o que chama de “uma novela que ainda terá novos capítulos”.
A decisão condenando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a conceder aposentadoria por idade ou aposentadoria por tempo de contribuição a partir de 2019 ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Lembrando que o primeiro pedido de aposentadoria foi feito em 2005, ou seja, ao recomeçar do zero ela perdeu o benefício e os retroativos ao longo de 14 anos.
O benefício concedido é de R$ 1.536,82, que estará depositado em sua conta no próximo dia 5. A defesa vai pedir revisão do valor.
A Tribuna - Qual o sentimento de esperar por 19 anos para ter o direito de se aposentar?
Médica dermatologista - "Tudo no nosso País é complicado. Em se tratando de aposentadoria, é a complicação das complicações.
Nunca vi um processo tão demorado, é uma falta de respeito conosco, com os segurados.
Graças a Deus eu não preciso da aposentadoria do INSS. Eu estou requerendo porque é uma coisa que eu tenho direito, mas penso muito naquele cidadão que está na dependência dessa renda para sobreviver.
Isso é uma coisa ultrajante. Se você pagou a vida toda, tem direito a receber o benefício e na hora de receber eles colocam todos esses empecilhos impossíveis e inimagináveis."
- Tem noção de quanto é o seu prejuízo durante a espera?
"No início, entre idas e vindas, tinha sido prometido que eu iria receber os retroativos de 2012 para cá. Agora, o juiz concedeu a liminar me dando os retroativos a partir de 2019.
Perdi esse tantão de tempo, mas não tenho ideia do valor até porque o cálculo não veio certo e o meu advogado está recorrendo novamente para poder acertá-lo para eu receber o que tenho de direito.
Somente a partir daí é que será feito o cálculo dos retroativos. Será que vou morrer e não vou receber? A sensação que eu tenho é que na hora de pagar eles vão colocando todas as dificuldades acho que é para você desistir."
- Continua trabalhando?
Graças a Deus e sem depender do INSS. Eu tenho a minha clínica privada e continuo trabalhando e não pretendo parar tão cedo.
Outros casos
Pedido de revisão
Um oncologista ingressou com uma ação nesta semana pedindo revisão no valor da aposentadoria. Pelos cálculos, ele teria direito a receber cerca de R$ 5.800, mas o benefício concedido pelo INSS é de pouco mais de R$ 2 mil.
O advogado João Eugênio Modenesi Filho explica que o médico fez residência entre janeiro de 1979 a dezembro de 1980, período que, de acordo com ele, não foi computado pelo INSS.
“Ele comprovou que nesse tempo exerceu atividades como médico cirurgião, razão pela estamos requerendo o enquadramento desse período como atividade especial. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o período de residência médica, quando exercido com remuneração custeada por recursos públicos, deve ser considerado como tempo de contribuição”, disse o advogado.
Benefício negado
Em 2019, uma psiquiatra requereu ao INSS, pedindo concessão de sua aposentadoria, tendo por base que a sua idade à época do pedido (59 anos, 11 meses e 24 dias) somada ao seu tempo de contribuição (30 anos, 11 meses e 17 dias) superava com certa folga os 86 pontos necessários a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de serviço sem a sujeição da chamada RMI (Renda Mensal Inicial) ao fator previdenciário.
“Só que o INSS não computou o tempo de contribuição celetista em decorrência de vínculo em uma prefeitura da Grande Vitória entre 1992 e 2019. O INSS indeferiu o pedido de concessão, tendo identificado somente 17 anos e um mês e quatro dias de tempo de contribuição”, contou o advogado João Eugênio Modenesi Filho.
O outro lado
Critérios em lei
O INSS informou que as decisões são deferidas ou indeferidas com base em critérios definidos pela legislação previdenciária.
“Esses critérios levam em consideração as informações fornecidas pelo requerente no momento da solicitação, os dados presentes nas bases de dados governamentais e a aplicação das normas relacionadas a cada tipo de benefício”.
Segundo o órgão, o segurado que discordar do resultado da análise pode entrar com recurso no prazo de até 30 dias após tomar ciência da decisão. Ele será analisado pela Junta de Recurso, órgão independente do INSS.
Se preferir, como complementa, o interessado também pode protocolar novo pedido, a partir de 30 dias após o indeferimento do último pedido de benefício.
Sobre o caso da médica, o INSS informou que não comenta decisões judiciais.
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