Jovens levam até os pais para entrevista de emprego
Dependentes e muitas vezes superprotegidos, filhos que iniciam vida profissional recorrem a familiares até para serem porta-vozes
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O comportamento dos jovens que estão chegando ao mercado de trabalho tem chamado atenção de especialistas em recrutamento e seleção.
Alguns, mais dependentes e superprotegidos, estão levando os pais para participarem das entrevistas de emprego.
A situação vai além de uma mera carona dos pais até o local da entrevista. Especialistas em Recursos Humanos e empresários contaram à reportagem casos de pais e até avós que se tornam verdadeiros “porta-vozes” dos jovens candidatos e querem participar do processo seletivo e, inclusive, responder por eles as perguntas feitas pelos recrutadores.
Levantamento da consultoria empresarial McKinsey mostrou que 40% dos jovens da Geração Z afirmam que o pai ou a mãe os acompanhou em uma entrevista de emprego presencial. Quase 30% relatam que um deles entrou na entrevista e, em 20% dos casos, se apresentou ao entrevistador.
“Infelizmente a gente vê isso. São pais que não passam as responsabilidades aos seus filhos e são superprotetores. Acham que estão ajudando, mas na verdade estão atrapalhando o jovem em sua jornada profissional. Isso acontece para estágio e para emprego”, disse a diretora do Center RH, Eliana Machado.
O CEO da Heach RH, Élcio Teixeira, conta que em uma ocasião teve de lidar com duas mães que queriam participar da dinâmica do processo seletivo.
“As duas simplesmente entraram na sala e sentaram-se ao lado de suas respectivas filhas, agindo como candidatas. Tivemos de parar tudo e explicar que elas não poderiam participar, e pedir que elas saíssem”, ressalta.
Élcio explica que há outros fatores além da idade que influenciam. Um deles, é a insegurança dos próprios pais.
“Eles sentem medo do filho estar indo para uma vaga que na verdade seja um golpe ou um sequestro, e preferem ir junto e até participar do processo para garantir a integridade dos filhos”.
Segundo Eliana, essa atitude dos pais pode passar uma impressão negativa para o recrutador.
“Acaba-se questionando o grau de independência e confiança que esses pais dão para seus filhos e cria-se receio de que o profissional não conseguirá lidar com a responsabilidade do trabalho.”
A experiência profissional de um parente também é usada como argumento para a presença deles.
O que acontece
Superproteção
Os motivos dados pelos pais que vão às entrevistas de emprego dos filhos na intenção de participar são, segundo os recrutadores, relacionados não só aos jovens, mas também à insegurança dos próprios pais.
Se por um lado a geração Z é taxada de “mimada e desmotivada”, por outro os pais de jovens dessa geração, que estão nas gerações X e Millenial, são considerados superprotetores.
E o que leva à isso?
Recrutadores relatam que os pais afirmam acreditar que estão ajudando seus filhos, fornecendo suporte e orientação durante o processo de entrevista. Eles podem se preocupar com o desempenho do candidato e querer garantir que eles tenham a melhor chance possível de conseguir o emprego.
Outro fator relatado por recrutadores é a segurança, principalmente no caso de filhas mulheres. Há pais que demonstram medo da possibilidade de os filhos caírem em um golpe ou que sejam sequestrados, por exemplo.
Presença não solicitada
Além das entrevistas presenciais, o problema também ocorre em entrevistas online.
Muitos recrutadores têm testemunhado a presença não solicitada dos pais durante as entrevistas de emprego via Zoom.
Os recrutadores compartilharam suas experiências, revelando que, em alguns casos, os pais estavam presentes no mesmo ambiente físico que o candidato. Inclusive, às vezes, até mesmo sentados ao lado deles.
Em outros casos os pais estavam visíveis na tela do Zoom, como se estivessem supervisionando ativamente a entrevista.
Essa situação pode gerar desconforto tanto para o candidato quanto para o recrutador, afetando a dinâmica da entrevista.
Problemas de socialização
Um outro efeito colateral dos pais superprotetores para a geração Z é a desconexão social dos jovens.
Recrutadores relatam que os jovens dessa geração tem maior dificuldade em fazer contato visual em entrevistas e em se conectar socialmente com colegas de trabalho.
Uma pesquisa do Grupo Rabbit ouviu 28 mil famílias com filhos em escolas particulares do Brasil, e mostrou que 53% dos jovens tem comportamento passivo nas redes sociais, apenas vendo e escutando, e não interagindo socialmente.
CEO do Grupo Rabbit, Christian Coelho destaca que a interação social tem um impacto significativo na saúde mental.
“Estudos mostram que aqueles que têm dificuldade de se relacionar tendem a apresentar maiores níveis de stress, ansiedade, depressão e agressividade”, detalha Coelho.
Para especialistas da área de recursos humanos e psicologia, a questão é oriunda da infância e da adolescência desses jovens e dos estímulos que os pais lhes deram ao longo desses períodos.
Ou seja, os pais, ao agirem de forma superprotetora, impedindo os filhos de vivenciarem desafios, problemas e perigos do mundo, acabam por formar adultos com dificuldades em tomarem decisões ou agirem tanto na vida pessoal como na profissional.
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