Como receber acima do valor descontado da aposentadoria
Os cerca de 100 mil que têm desconto indevido nos benefícios do INSS podem ir à Justiça para ressarcimento também pelos danos morais
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Foi vítima do que está sendo chamado de “farra do desconto indevido” em benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e não sabe o que fazer? Juristas orientam juntar provas e entrar com ações na Justiça para tentar receber até o dobro do valor descontado das aposentadorias.
O esquema acontece desde janeiro do ano passado e, segundo estimativas, no Estado, cerca de 100 mil têm valores descontados por essas associações.
No País, essas entidades – que chegam a ganhar mais de R$ 30 milhões por mês com contribuições descontadas na folha de pagamento dos aposentados –, respondem a 62 mil processos judiciais.
Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional capixaba (OAB-ES), Valber Cruz Cereza, destaca que o aposentado que descobrir desconto indevido poderá buscar orientação jurídica para ajuizar ação de repetição do indébito. “Ele pode obter em dobro o que foi descontado indevidamente, acrescido o dano moral”.
Advogado especialista em Defesa do Consumidor, Fabiano Cabral observa que a primeira coisa a se fazer é analisar o extrato de pagamento. “Identificado o desconto indevido, onde sequer pactuou com o estabelecimento, deve-se contactar com o INSS e requerer a extinção do desconto e que cessem as cobranças”
Ele sugere que se constitua um advogado que fará uma análise do ocorrido e, se for o caso, entrar com ação requerendo a nulidade do contrato que originou a cobrança, bem como a restituição do valor devidamente corrigido, podendo receber de volta até o dobro do valor descontado sem autorização.
Kamilla Ramiro, advogada especialista em Direito Previdenciário, conta casos recentes de dois clientes que, até o momento, não entraram na Justiça. “Um deles procurou o escritório para revisão de aposentadoria e na análise dos documentos percebi que estava sendo descontado R$ 30 mensais há seis meses para uma associação. Porém, como ele tinha vários empréstimos, não percebeu a diferença”.
Ela conta que fez um requerimento administrativo no Meu INSS do cliente para encerrar as cobranças. “O próprio INSS cancelou os descontos e ele já voltou a receber o valor correto. Ele não sabia dizer ao certo o que havia gerado a cobrança. Como o valor total descontado foi de R$ 180, ele optou por não levar o caso à Justiça, já que o custo do processo seria alto perto do valor que ele teve descontado”.
Aposentado já entrou na Justiça
Quem está atento e fica vigilante para não ser enganado por associações é o aposentado José Robson dos Santos, 70 anos. Ele, inclusive, sempre fica de olho no extrato do seu benefício no INSS para não sofrer com descontos indevidos.
Aposentado desde 2018, ele já pegou empréstimos consignados, mas ao perceber descontos indevidos nos extratos entrou na Justiça pedindo o ressarcimento e pagamento em dobro ou até mais.
“Eu peguei empréstimos com quatro ou cinco financeiras para ajudar a pagar a faculdade da minha filha, que graças a Deus formou-se em Direito, além de ajudar em outras despesas”, disse o aposentado, ao lado da mulher, a servidora pública Rejane Carlos Santana.
Só que, de acordo com o aposentado, está sendo cobrado cerca de 40% a mais dos juros praticados no mercado. “Por isso, entrei na Justiça há dois meses e aguardo sentença. Fui vítima de cobrança exorbitante”, finalizou Robson.
Saiba mais
O ESQUEMA
Faturamento
- Associações sem fins lucrativos são acusadas de aplicarem descontos indevidos em aposentados faturando mais de R$ 2 bilhões desde janeiro de 2023.
Ações na Justiça
- No País, há pelo menos 62 mil ações judiciais ajuizadas contra essas entidades.
- Somadas, as associações chegam a ganhar mais de R$ 30 milhões por mês com contribuições descontadas diretamente da folha de pagamento dos aposentados.
TIRE AS DÚVIDAS
Qual a orientação para não ser foi vítima?
A primeira orientação é ficar sempre de olho no valor que recebe do beneficio e no Meu INSS. Se perceber que está recebendo menos do que deveria e que no extrato de pagamento do benefício consta a informação de desconto de mensalidade para associação ou empréstimo que não reconhece, o cliente deve buscar auxílio de um advogado para cessar os descontos, como orienta Kamilla Ramiro, advogada especialista em Direito Previdenciário.
Como agir em caso de descontos indevidos?
As vítimas têm direito a entrar na Justiça e pleitear o recebimento em dobro do valor descontado indevidamente, conforme o Código de Defesa do Consumidor. Há várias condenações nesse sentido no Brasil.
Mas, para isso, juristas aconselham a vítima a registrar um boletim de ocorrência; fazer denúncias nas entidades de defesa ao consumidor e buscar acesso ao contrato e checar se a assinatura foi falsificada.
É possível cancelar o desconto?
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) explica que o beneficiário que não reconhecer o desconto da mensalidade associativa em seu benefício pode requerer o serviço “excluir mensalidade associativa” pelo aplicativo ou site Meu INSS ou pela Central 135.
É possível ainda registrar uma reclamação na Ouvidoria do INSS, também na Central 135 ou pelo Meu INSS.
Para isso, é necessário que o interessado entre no Meu INSS (site gov.br/meuinss ou aplicativo para celular); faça login com CPF e senha do Gov.br; clique no botão “novo pedido”; digite “excluir mensalidade”; clique no nome do serviço/benefício; leia o texto que aparece na tela e avance seguindo as instruções.
Os valores serão corrigidos por determinação da Justiça?
De acordo com o Código do Consumidor, como explica a advogada Kamilla Ramiro, aquele que é cobrado e paga indevidamente um valor pode ter direito a receber a quantia que pagou em dobro atualizado monetariamente.
Ou seja, caso o aposentado ou pensionista perceba que está sendo cobrado por essa mensalidade da associação há vários meses, o ideal é fazer o requerimento no Meu INSS de “Excluir Mensalidade de Associação ou Sindicato no Benefício” e após, entrar com ação na Justiça pedindo a devolução do valor pago em dobro.
Investigação no INSS
Questionado se a chamada “farra do desconto indevido” está sendo investigada, o presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, informou, por meio da assessoria, que determinou a abertura imediata de apuração.
Ainda segundo o órgão, caso as associações não devolvam o dinheiro espontaneamente, o INSS vai intervir e elas podem ser descredenciadas. Se algum servidor estiver envolvido no esquema, ele é afastado e responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Ao final, se comprovado, ele poderá ser exonerado.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Federal, perguntando, por exemplo, se investiga o caso. A informação foi que os questionamentos foram encaminhamos à delegacia responsável, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
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