Atraso em prestação leva bancos a tomarem mil veículos todo mês
Mudança na legislação e aumento nas vendas fez crescer o número de carros e motos que são apreendidos e leiloados pelos bancos
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Uma média de mil carros e motos é tomada todo mês pelos bancos porque os compradores não honram com as prestações em dia após adquirir de forma financiada. O motivo: a inadimplência com atrasos acima de 90 dias ficaram em 4,5% no primeiro semestre deste ano.
O diretor de economia da Associação Nacional de Executivos (Anefac), Roberto Vertamatti, fez o cálculo do total apreendido a partir da média de 27 mil veículos novos e usados financiados por mês no Estado. Embora a inadimplência tenha caído — no mesmo período em 2023 era de 5,5% —, o número de apreensões cresceu porque as vendas aumentaram:
“Isso acaba criando custos para os bancos, mas eles se veem obrigados a tomar esses veículos.”
Outra questão que motiva o crescimento no número de veículos apreendidos e leiloados são mudanças na legislação, como explica o juiz Marcelo Pimentel, titular da 10ª Vara Cível de Vitória.
Agora, a partir da primeira parcela em atraso, os bancos podem tomar o automóvel. “Antes, era a partir da terceira parcela. E os bancos estão agindo: atrasando a primeira parcela, eles já estão ingressando judicialmente”, contou.
A partir do momento em que o veículo é apreendido, para recuperá-lo é preciso pagar o valor em atraso ou tentar negociar com o banco, segundo Pimentel. “Os contratos bancários são claros, então a recomendação é não atrasar.”
A advogada especialista em Direito do Consumidor Luíza Simões disse que a partir de uma parcela em atraso o banco já está autorizado a realizar busca e apreensão. Mas isso não costuma ocorrer com tanta rapidez, devido a estratégias da instituição financeira, que teria de arcar com custas processuais e advogado a cada atraso.
“Por isso, o costumeiro é aguardar algumas parcelas, até para comprovar a impossibilidade de pagamento. Mas, para isso, é necessário que o banco tenha notificado o devedor, e que ele tenha saído comprovadamente ciente da dívida.”
Quando o oficial de Justiça vai ao consumidor para apreender o veículo, ele entrega a cópia do processo judicial, onde contém a planilha atualizada do débito, segundo a advogada: “Assim, o consumidor tem cinco dias para quitar, sem que a dívida conste no gravame do veículo.”
SAIBA MAIS
Direitos do banco e do devedor
> O banco, ao financiar um veículo, adquire o direito de propriedade até que o financiamento seja quitado na íntegra. Em caso de inadimplência do devedor, a instituição pode solicitar a busca e apreensão do bem para garantir o recebimento do valor devido.
> Por outro lado, o devedor tem direitos que devem ser respeitados durante o processo. É importante ressaltar que busca e apreensão não podem ser realizadas de forma arbitrária. O banco precisa seguir os procedimentos legais estabelecidos e notificar o devedor sobre a ação.
Prazos para tomar o veículo
> A partir de uma parcela em atraso, o banco já está autorizado a realizar a busca e apreensão. Em 2023 foi editada lei que reformou a legislação que governa a alienação em garantia de veículos, com vistas a facilitar a retomada dos que foram dadas como garantia e, consequentemente, reduzir o risco na concessão de crédito e o custo do próprio dinheiro.
> Atualmente, o banco não precisa mais comprovar o prejuízo sofrido com a inadimplência para solicitar a retomada do veículo. Essa alteração agilizou o processo e tornou mais fácil para as instituições financeiras recuperarem seus créditos.
> A mudança mais impactante foi a introdução do procedimento de busca e apreensão extrajudicial, permitindo aos bancos retomarem a posse do veículo sem a necessidade de um processo judicial prolongado. Essa medida busca reduzir a morosidade e os custos associados à recuperação de garantias.
Como recuperar o veículo
> Após a busca e apreensão, é possível tentar recuperar o veículo assim:
> Negociação com o banco: a primeira opção é tentar quitar a dívida e reaver o veículo. Muitas instituições financeiras oferecem condições especiais para quitação de débitos, como descontos ou parcelamentos.
> Contestação judicial: caso o devedor entenda que a busca e apreensão ocorreram de forma irregular, ele pode contestar judicialmente. É importante procurar um advogado para analisar o caso e verificar a possibilidade de anulação do processo.
> Em casos em que a apreensão se concretiza, o veículo é destinado a leilão. Se o valor arrecadado exceder o total da dívida, o saldo remanescente deve ser devolvido ao devedor.
Fonte: Marcelo Pimentel, Luíza Simões e Uol.
Até 85% das compras financiadas
O percentual de veículos financiados em algumas concessionários pode chegar a 85%, segundo José Francisco Costa, diretor- executivo do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado (Sincodives).
“Não há mais os chamados carros populares. As lojas perderam os clientes com salários menores, já que os carros mais baratos estão na faixa acima de R$ 80 mil. E para financiar os bancos e financeiras pedem muitas comprovações e nem todo mundo consegue”, disse o empresário.
No período de janeiro a agosto deste ano, foram financiados 4,6 milhões de veículos no Brasil, o que representa um aumento de 22,9% em relação ao mesmo período de 2023, segundo pesquisa da B3 (Bolsa de São Paulo).
“Encerramos o mês de agosto com o maior número de veículos financiados desde agosto de 2012, o que reforça o ritmo forte apresentado no início deste segundo semestre. O segmento de motos mantém-se como destaque, com um crescimento de 29% no acumulado do ano em relação ao mesmo período do ano anterior”, disse Gustavo de Oliveira Ferro, gerente de Planejamento e Inteligência de Mercado na B3.
Defensoria pública oferece ajuda
A Defensoria Pública do Estado oferece ajuda a quem estiver com dificuldades em casos de atrasos para pagar a prestação do financiamento de veículo ou teve o carro tomado pelo banco.
Segundo o defensor público estadual Raphael Maia Rangel, tendo dificuldades, o ideal é procurar ajuda antes de ter o veículo apreendido, para que tenha auxílio numa renegociação do financiamento, por exemplo.
Ele destacou que há muitos casos de veículos tomados pelos bancos na Defensoria Cível de Serra: “Normalmente, o nosso assistido passa por uma situação de dificuldade financeira e para de pagar uma ou duas prestações, o banco entra com ação de busca e apreensão, e o juiz dá a liminar para recuperar o carro.”
O defensor disse que há espaço para buscar negociação com o banco se o consumidor procura a Defensoria rapidamente e se tem poder financeiro para pagar algo:
“Está sem dinheiro para pagar a prestação? O melhor a fazer é buscar renegociação com o banco, para alongar os prazos e reduzir o valor. Se deixar para fazer isso depois do veículo ser apreendido, é muito difícil fazer qualquer coisa.”
SAIBA MAIS
Como buscar atendimento
> Pode buscar atendimento quem não tenha condições financeiras de pagar por assistência jurídica.
> Para agendar é preciso acessar https://agendamento.defensoria.es.def.br/auth/sign_in. É possível ser atendido sem agendamento mediante senha.
> A Defensoria Pública abre às 8h e encerra as atividades às 17h, de segunda a sexta-feira.
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