Pedidos em cartórios para garantir direito de tomar decisões no fim da vida
As DAVs surgem como alternativa para que o indivíduo possa, ainda em plena consciência, expressar escolhas sobre tratamentos futuros
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O nome do documento nem sempre é de fácil entendimento: Diretiva Antecipada de Vontade (DAV). Conhecido como Testamento Vital, ele pode dar clareza aos desejos de pessoas nos cuidados com sua própria saúde no fim da vida.
O tema do direito individual de decidir sobre o próprio fim da vida ganhou destaque após a morte assistida do poeta Antônio Cícero, no último dia 23 de outubro.
No Brasil, onde a eutanásia é proibida, as DAVs surgem como uma alternativa para que o indivíduo possa, ainda em plena consciência, expressar suas escolhas sobre tratamentos futuros, especialmente em casos em que uma condição de saúde o impeça de manifestar sua vontade.
A diretora de Tabelionato de Notas do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado (Sinoreg-ES), Carolina Romano, explicou que as DAVs são escrituras públicas declaratórias, feitas em tabelionato de notas.
“A pessoa manifesta sua intenção de preferências em relação aos tratamentos e cuidados de saúde, caso passe a ter incapacidade para se manifestar. O objetivo é buscar respeitar a vontade da pessoa no futuro.”
No Estado, a quantidade de registros ainda é pequena – são 81 DAVs desde 2007. No entanto, são oito registros este ano.
A advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões, Solange Rosário, destacou que o testamento vital, na verdade, é uma das formas de diretiva antecipada de vontade.
“Essa modalidade é destinada àqueles pacientes com doenças que os levem à perda da sua capacidade decisória, como por exemplo, demência com confusão mental irreversível, estado terminal de doenças, entre outras”.
Ela explicou que uma vez realizado a DAV, deverá ser respeitada, porque vale a vontade do declarante. “A não ser aqueles casos proibidos pela legislação brasileira, como eutanásia, suicídio assistido e recusa de cuidados paliativos”.
A advogada especialista em direito médico e da saúde e membro da Comissão da Saúde Pública e Suplementar da OAB-ES, Fernanda Andreão Ronchi, enfatizou, no Brasil, as pessoas evitam falar sobre morte e aceitá-la, apesar de ser a única certeza.
“Por isso, se confunde muito o cuidado com o paciente com o prolongamento artificial de sua vida, o que causa sofrimento. Por isso, muitos familiares contestam a vontade do ente querido. A lavratura em instrumento público dá segurança jurídica, devendo o documento também ser anexado ao prontuário médico do paciente para maior eficácia”, afirma a especialista.
Alguns casos
Morte assistida
O escritor e compositor Antonio Cicero, membro da Academia Brasileira de Letras, sofria de Alzheimer e se submeteu a um procedimento de morte assistida no dia 23 de outubro, na Suíça. O crítico literário e filósofo, que tinha 79 anos, deixou uma carta explicando a decisão. “Minha vida se tornou insuportável. Não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo as que ocorreram ontem”. E continuou: “Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava. Apesar de tudo, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação”.
Quadro irreversível
O ex-prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu em maio de 2021, em decorrência de complicações provenientes de câncer que teve início no aparelho digestivo.
Bruno Covas permaneceu no exercício de suas atividades profissionais e cotidianas o maior tempo possível, se afastando delas apenas 14 dias antes de sua morte.
Na época, foi noticiado que, devido à irreversibilidade do seu quadro de saúde, Covas teria acordado com a equipe médica que o assistia sobre não querer ser mantido vivo artificialmente.
Contestado
Herdeira das Pernambucanas, Anita Harley, de 76 anos, está em coma desde 2016, após um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Enquanto isso, uma batalha judicial envolvendo sua fortuna e herança se desenrola.
Antes do AVC, em 1999, a empresária fez um “Testamento Vital”, dando à sua assessora Cristine Rodrigues o poder de tomada de decisões caso ela estivesse incapacitada ou inconsciente. O documento foi invalidado pela Justiça em 2016, mas Cristine apresentou recurso.
Saiba mais
Diretiva Antecipada de Vontade (DAV)
Conhecida popularmente como Testamento Vital, a DAV é uma escritura pública no qual a pessoa deixa expressa sua vontade em casos extremos de saúde, que não lhe permitam ter a consciência necessária para manifestar sua vontade, como em caso de doenças terminais ou acidentes.
A DAV foi instituída desde 2007 e pode ser registrada em qualquer cartórios de notas.
Aumento de registros
O Brasil já conta com mais de 8 mil documentos deste tipo feitos em Cartórios de Notas.
No Espírito Santo, são 81 DAVs, desde 2007, mas com tendência de aumento, já que oito foram registrados esse ano, de janeiro a outubro.
O que pode constar
Os chamados Testamentos Vitais permitem que a pessoa defina, por exemplo, se deseja recusar tratamentos que prolonguem sua vida de maneira artificial, em consonância com a Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Também pode definir que não quer receber transfusão de sangue.
Embora ainda não exista uma legislação federal específica sobre o Testamento Vital no Brasil, o documento é reconhecido em âmbito médico e vem ganhando cada vez mais força como forma de garantir que as preferências do paciente sejam respeitadas em momentos críticos.
O documento tem validade jurídica, desde que tenha conteúdo lícito e possível, seja registrado por maior de 18 anos, lúcido, capaz, com discernimento para decidir sobre os tratamentos que deseja ou não se submeter em situações de terminalidade da vida.
Forma digital
Desde 2020, as DAVs também podem ser feitas digitalmente por meio da plataforma e-Notariado (www.e-notariado.org.br).
Para realizar o Testamento Vital de forma online, o cidadão precisa de um Certificado Digital Notarial, que pode ser obtido gratuitamente em um Cartório de Notas, ou um certificado ICP-Brasil.
Com isso, o usuário acessa a plataforma, agenda videoconferência para validação do documento, e pode assiná-lo digitalmente de qualquer dispositivo, com o mesmo custo de um ato presencial e de acordo com a tabela de valores de cada estado.
Fonte: Sinoreg-ES
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