Médica vai à Justiça para garantir emprego por cota
Autodeclarada negra, ela teve vaga de professora em universidade da Bahia anulada por ação de concorrente branca
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Uma médica autodeclarada negra teve sua vaga para professora no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) anulada após uma candidata branca entrar com um processo judicial.
A otorrinolaringologista Lorena Pinheiro, de 39 anos, é mineira, formada em 2010 pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e terminou o doutorado na área na UFBA em dezembro de 2023.
Ela se inscreveu para o concurso como candidata autodeclarada negra e teve homologada sua colocação no dia 13 de agosto, após passar pela heteroidentificação (identificação étnico-racial), porém não foi nomeada por conta de decisão judicial.
O edital de seleção previa que, para os casos onde houvesse apenas uma vaga, esta seria ocupada, preferencialmente, por candidato autodeclarado negro, conforme Lei nº 12.990/2014 e Edital número 01/2023. Na classificação geral Lorena ficou na quarta posição.
No pedido enviado à Justiça Federal da Bahia, a médica Carolina Cincura Barreto, que também concorria à vaga e passou em primeiro lugar geral, afirmou ter obtido uma nota superior e contestou o uso de cotas raciais como critério de seleção, argumentando que apenas uma vaga estava disponível na área de otorrinolaringologia.
Em sua decisão, datada em 13 de junho, a juíza da 1ª Vara Federal Cível da Bahia, Arali Maciel Duarte, disse que o cumprimento da regra prevista no item 7.6 do edital da universidade implica “na concessão de 100% das vagas para candidatos cotistas, em afronta ao direito de quem se submeteu à ampla concorrência e obteve notas mais altas”.
Por nota, a UFBA disse que “coube à universidade o cumprimento da determinação judicial com força executória, nomeando, a título precário, a candidata Carolina Cincurá Barreto, impetrante da ação”.
A instituição disse ainda que “a decisão foi firmada sem que a universidade fosse intimada a se manifestar, tendo a Pró-Reitoria de Desenvolvimento de Pessoas (PRODEP) tomado conhecimento do processo já na fase de cumprimento da decisão. A instituição prepara recurso contra a decisão.
A reportagem entrou em contato com a médica Carolina Barreto por meio do telefone do Núcleo de Otorrinolaringologia e Estudos da Voz, onde ela presta atendimento, mas uma secretária informou que ela não falaria sobre o caso.
ENTREVISTA
“Fiquei sem chão, paralisada” - Lorena Pinheiro, médica
Em conversa com a reportagem, a médica Lorena Pinheiro, de 39 anos, disse confiar na Justiça, para reverter a decisão e poder assumir a vaga como docente no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
- A Tribuna - Quando a decisão saiu, não havia assumido a vaga, certo?
Lorena Pinheiro - Três meses antes do resultado sair, já havia um processo judicial que impedia a nomeação de candidata cotista para a vaga. Queria inviabilizar a última etapa do concurso, que era a heteroidentificação. A decisão liminar é de 13 de junho, sendo que só passei pela heteroidentificação no dia 24 de julho. Isso chama muito a minha atenção. Eu nem tinha conhecimento desse processo.
- Qual foi o impacto de receber a notícia de que não poderia assumir a vaga?
Fiquei sem chão, paralisada. Não conseguia mais ler o documento. Nunca passei por nada parecido. Procurei um advogado para me esclarecer e me defender nesta causa.
Eu acredito na Justiça, eu acredito que nossas instituições são respeitosas e serão respeitadas. Sei da importância da política afirmativa dentro do nosso contexto social brasileiro, porque há uma dívida histórica a ser tratada para combater a desigualdade e a injustiça social.
- Há quanto tempo você se dedica para assumir o cargo de professora na universidade?
Em 2010, eu me formei na Ufes e logo vim fazer residência médica na Santa Casa da Bahia. Terminei a residência, onde eu tinha bolsa, e fui para o estágio de especialização na USP. Logo em seguida, fiz mestrado e doutorado.
Houve um investimento público muito grande na minha formação e eu tenho o compromisso de devolver isso para a sociedade na forma de assistência médica do SUS, em ensino, pesquisa e na formação de novos médicos.
E também na forma de representatividade, porque a lei de cotas também garante acesso aos alunos negros, que antes não tinham essa oportunidade. E em mim terão uma representante, um espelho, daquilo que também podem ser. Esse é um desejo que vou realizar.
SAIBA MAIS
Lei de cotas em concurso
- A UFBA passou a cumprir a Lei de Cotas (Lei n 12.990/2014) em todos os seus concursos considerando a totalidade de vagas do edital e não aplicando qualquer fracionamento sobre especialidades ou áreas, a partir de dezembro de 2018. Anteriormente, esta lei era aplicada somente nas áreas com três ou mais vagas.
- No caso dos concursos para professor do magistério superior das universidades federais, como as vagas por cada área do conhecimento são, em geral, inferiores a três, a aplicação da lei não era possível, inviabilizando, na prática, a política afirmativa de inclusão, objetivo da Lei de Cotas.
- Segundo a UFBA, nesta metodologia, depois de aprovado, o candidato autodeclarado negro mais bem classificado em sua área de conhecimento é reclassificado em lista única, de acordo com a sua nota final, e ocupará a vaga imediata em sua área de conhecimento, ainda que esta seja única e a sua ordem na classificação não lhe garanta a primeira posição geral.
Fonte: UFBA.
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