Jovens mais isolados não sabem nem conversar
Esse comportamento, agravado na pandemia, pode ter contribuído para a dificuldade na comunicação, dizem especialistas
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Em um mundo cada vez mais digital e conectado, um fenômeno tem preocupado os especialistas: os jovens estão mais isolados. Esse isolamento se manifesta também na incapacidade de manter conversas significativas e enriquecedoras, segundo psiquiatras e psicólogos.
A pandemia piorou ainda mais o comportamento de jovens e adolescentes, que, de acordo com os entrevistados, se tornaram ainda mais distantes da família e dos amigos.
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“Na adolescência, é compreensível que ocorra uma mudança no padrão comportamental do jovem, podendo se tornar mais calado e recluso em algumas situações”, explica o psicopedagogo, terapeuta de família e colunista de A Tribuna Cláudio Miranda.
“Contudo, a pandemia que vivemos há pouco tempo agravou determinados comportamentos que já existiam. Pode-se dizer que o isolamento e a reclusão aumentaram, agravando a dificuldade de comunicação que já existia. Muitos preferem ficar em casa a ter de sair e se relacionar com amigos e até mesmo com os familiares”, observa Cláudio.
De acordo com o psicólogo e psicanalista Diego Fernandes, da Cooperativa de Trabalho dos Psicólogos do Espírito Santo (Coopsi), o isolamento pode contribuir para dificuldades na comunicação, uma vez que as interações sociais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento das habilidades de comunicação e na formação da identidade, de acordo com princípios psicanalíticos.
Para a psiquiatra da infância e adolescência Fernanda Mappa, a geração atual tem muito acesso à informação. “Tudo é rápido e na palma da mão, considerando que a grande maioria faz uso de celulares, mas, paradoxalmente, estão usando a capacidade de comunicação e de expressão por meio de palavras de forma cada vez menos funcional”, avalia.
O psiquiatra Jairo Navarro observa que atualmente a comunicação tem sido feita mais pelas redes sociais, de forma geral.
“Hoje as interações são mais virtuais do que olho no olho. É tudo mais informatizado e estamos tendo essa barreira na comunicação, vendo os jovens mais isolados”, afirma.
Amizade que surgiu dentro da igreja
A estudante Lídia Ayram (ao centro, na foto), 15 anos, conta que sempre foi uma menina tímida e com dificuldade de fazer amizades. Apegada aos pais, ela quase nunca saía sem sua mãe, a assistente de cobrança Valdeise Lima, 36 anos, passando mais tempo isolada em casa, no celular.
“Ficava preocupada com a dificuldade dela em ter amigas mais próximas. Com a pandemia, ela ficou ainda mais em casa, já que as aulas eram on-line. Pedia muito a Deus para que mandasse amigas para ela”, relata a mãe.
Foi na igreja que a estudante encontrou duas amigas, Ana Alice de Castro, 21 anos, e Monike Braga, 20. “Sempre fomos da mesma igreja, mas eu não conseguia me abrir. Até que neste ano meu pai começou a me levar na psicóloga. Fui melhorando vários aspectos e Deus foi fundamental também para este processo”.
“Em março passei a malhar na mesma academia que elas e fomos ficando mais próximas. Já fui para a casa delas, já fui ao shopping só com elas sem a minha mãe e sei como a amizade delas tem sido importante para a minha vida”, conta a estudante.
Telas e internet não são únicos fatores do distanciamento
Embora as telas e a internet possam desempenhar um papel significativo no distanciamento, não são os únicos fatores.
Bullying, ansiedade, conflitos não resolvidos e até a violência urbana podem estar entre os motivos para o isolamento dos jovens, segundo os especialistas.
“A psicanálise sugere que o isolamento pode ser uma forma de enfrentar conflitos internos não resolvidos, lidar com ansiedade ou buscar gratificação imediata, conforme descrito pelos conceitos freudianos do 'princípio do prazer'. Portanto, o uso excessivo de telas pode ser uma maneira de evitar lidar com questões emocionais subjacentes (encobertas)”, explica o psicólogo Diego Fernandes.
A psiquiatra Letícia Mameri-Trés observa que a violência também contribui para que os jovens fiquem mais isolados.
“Antigamente brincava-se na rua. Hoje não se pode deixar mais uma criança e adolescente brincar na rua pela violência da cidade. Esse isolamento não é pontual, por causa da tela. Não é apenas a internet que tem levado a isso. É uma série de mudanças no mundo e até a forma de se relacionar tem contribuído para isso”, analisa.
O psiquiatra da infância e adolescência Rodrigo Eustáquio ressalta também que as mudanças nas interações sociais demonstram que as pessoas se propõe menos a participar de espaços interativos e até mesmo de interação entre vizinhos ou na mesma comunidade.
Ele destaca ainda que a procura de entretenimento tem sido em jogos on-line e rede social. “As pessoas estão mais isoladas em casa”.
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