"Você sabe quem eu sou?": policial prende o assassino do pai depois de 25 anos
A reportagem conversou com Gislayne de Deus, que participou das investigações para localizar e deu voz de prisão ao acusado de assassinar seu pai
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A escrivã da Polícia Civil de Roraima Gislayne de Deus, 35 anos, participou das investigações para localizar e deu voz de prisão ao acusado de assassinar seu pai, 25 anos após o crime, em Boa Vista.
“Isso me lavou a alma, pois a Justiça foi feita! E poder falar para minha família, principalmente. E ele estava preso, isso trouxe a sensação de alívio e de paz extrema para gente”, afirmou a policial para a reportagem de A Tribuna.
Gislayne conta que tinha 9 anos quando Raimundo Alves Gomes assassinou seu pai Givaldo José Vicente de Deus com um tiro, em um bar. O motivo foi uma dívida que o pai dela tinha com o acusado de R$ 150.
“Não foi uma briga de bar, como já disseram. Meu pai estava em um bar, só que ele estava jogando sinuca com o amigo dele, quando o Raimundo chegou. Ele conversou com meu pai primeiro, cobrou a dívida, e saiu. Depois ele voltou, já com a arma na cintura”.
A dívida era relacionada a mercadorias que Givaldo havia comprado para revender em um mercadinho que tinha colocado em casa. “Meu pai disse que não tinha como pagar naquele momento, mas ofereceu a ele um freezer, ou que o Raimundo esperasse meu pai vender o freezer para pagá-lo”.
O crime ocorreu em 1999. Raimundo foi condenado pelo tribunal do juri a 12 anos de reclusão em 2013. O primeiro mandado foi expedido em 2016 e o mandado de execução, em 2019. Este, incluso no banco nacional de mandados.
Gislayne é formada em Direito e lotada na Delegacia de Homicídios, que efetuou a prisão do acusado. “A gente fez algumas investigações e foi possível achar o paradeiro dele. Eu estava em outra diligência e os colegas me ligaram, falando que ele tinha sido localizado. No primeiro momento eu chorei muito”, contou.
Na delegacia, ela falou com Raimundo. “Falei para ele: “Você sabe quem eu sou? Sou a filha da pessoa que você matou. E gostaria de dizer que o senhor está sendo preso, e que vai pagar sua pena, nem que seja minimamente”.
“"Sempre foi um pai muito amoroso Gislayne de Deus, escrivã da Polícia Civil
O soldador Givaldo José Vicente de Deus é definido pela filha, a escrivã da Polícia Civil de Roraima Gislayne de Deus, como um pai muito amoroso e presente. Além da policial, que é a mais velha, o soldador teve outras quatro filhas, além de um enteado.
A Tribuna – Qual a melhor lembrança que tem do seu pai?
Gislayne de Deus – Ele me deixava na escola de bicicleta. No caminho, tinha um pé de uma planta que ela dava uma florzinha, tipo dente-de-leão, mas pequenininha. Ele sempre foi um pai muito amoroso, sempre cuidou muito da gente, cobrava a tabuada, ia nas reuniões da escola.
- Qual foi a motivação do crime?
Por mais que ele fosse soldador, ele tinha montado um mercadinho em casa. O Raimundo, que foi preso, fornecia algumas mercadorias. Então a dívida era dessa situação de algumas mercadorias que ele tinha fornecido para o meu pai e tinha essa dívida. Meu pai disse que não tinha como pagar naquele momento, mas ofereceu a ele um freezer, ou que o Raimundo esperasse meu pai vender o freezer para pagá-lo.
Como foi o assassinato?
Não foi uma briga de bar, como já disseram. Meu pai estava em um bar, só que ele estava jogando sinuca com o amigo dele, quando o Raimundo chegou.
Ele conversou com meu pai primeiro, cobrou a dívida, e saiu. Depois ele voltou, já com a arma na cintura. E a dona do bar falou: “Givaldo, ele vai te atirar”. E aí meu pai foi para cima, para segurar e tudo, mas acabou levando um tiro no umbigo. E aí o amigo dele, que estava com ele no bar, conseguiu obrigar o Raimundo a levar o pai para o hospital.
- Desde o início pensava em prender o acusado quando crescesse?
Depois dessa situação, eu sempre dizia que eu não queria ser uma policial, advogada e juíza, porque na época, todos esses cargos, eles eram voltados para essa área criminal, envolvidos nessa área criminal e, como meu pai tinha morrido, nada tinha acontecido, eu não queria aquilo para mim.
Mas aí depois, crescendo... Eu tenho muito na minha cabeça, na minha mente, o seguinte: que por mais que a gente não saiba, Deus escreve nossos caminhos. Então tudo com motivo para acontecer. E quando eu estava no ensino médio minha família sempre falou que a gente tem que estudar.
Então, isso sempre foi colocado para a gente, para mim e para as minhas irmãs. E quando eu terminei o ensino médio, eu fazia vestibular. Fui aprovada em Administração, na Universidade Federal, mas não cursei, e em Direito, na faculdade particular em que meu tio trabalhava. Ele conseguiu uma bolsa de 100% para mim e devo minha formação em Direito a ele.
- Quando você se formou?
E aí depois que eu me formei, em 2012, eu passei de um projeto do Sebrae, fiquei dois anos nesse projeto, e quando foi 2014 eu fiz a prova da OAB. Aí passei e fui advogar.
- Você advogou em qual área?
Áreas Cível e Trabalhista. Em 2014 e 2015 eu comecei a dar aula em cursos preparatórios para concursos. Mas quando veio a pandemia, fiquei sem agenda. E comecei a estudar para concursos.
- E quando foi aprovada?
Em 2020, saiu o concurso da Polícia Penal. Estudei, passei, todas as fases em 2021, mais ou menos, chamaram em 2021 a turma, e em 2022 eu entrei, tomei posse. Fiquei por um ano e meio. Fez um ano em janeiro e quando foi em junho de 2024 eu tomei posse na Polícia Civil.
- Como ficou a situação do assassino do seu pai, durante esses anos?
Ele foi condenado pelo tribunal do juri a 12 anos de reclusão em 2013. Primeiro mandado foi expedido em 2016 e o mandado de execução, em 2019. Este, incluso no banco nacional de mandados.
- Você chegou a procurar por ele antes?
Quando eu entrei na Polícia Penal, eu também pedia apoio a alguns colegas para ver se conseguia localizar ele, passei o mandado de prisão para um setor responsável, para ver se conseguia cumprir. Nenhum nunca achava.
- Como ele foi encontrado?
Quando foi no final de 2022, outro tio meu estava andando pelo bairro Raiado Sol, em Boa Vista, que é próximo do Nova Cidade, onde ele estava escondido. E viu o Raimundo em um carro lá. E aí meu tio viu ele lá. Aí me ligou, a gente tentou falar com a polícia, alguns colegas policiais foram lá.
Tentaram pegar umas câmeras, tentar identificar a placa do carro, para onde ele tinha ido, mas não conseguiram. Não é, não conseguiram, a imagem era ruim, outros que já tinham passado tempo, já tinham apagado, enfim. Então a gente sabia que ele estava ainda em Roraima, por conta de, graças à situação de ter visto ele.
- Você se tornou Policial Civil para prender o assassino do seu pai?
As nossas buscas, elas sempre existiram. Agora em 2024, quando me tornei policial civil, eu pedi para entrar lá, não por esse caso específico. Durante o curso de formação, nós temos também a parte de estágio. Fizemos estágios em quase todas as delegacias aqui de Boa Vista.
Então, quando estagiei na DHPP, o pessoal mesmo com 20 anos de casa, ainda com garra, ainda com a vontade de fazer diferente, de buscar realmente solucionar aquele crime. Então aquilo me chamou muita atenção. Então foi mais por isso que pedi para ir para lá.
- E como foram as investigações sobre o paradeiro dele?
Nós começamos a trabalhar em algumas ações com o pessoal, com o departamento de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Informei a colegas que havia esse mandado de prisão em aberto e passei as informações. Então a gente fez algumas investigações e foi possível achar o paradeiro dele.
- Quem o prendeu?
Eu estava em outra diligência e os colegas me ligaram, falando que ele tinha sido localizado. No primeiro momento eu chorei muito. Porque é um fechamento de ciclo e é algo que você nunca imagina, na verdade. Por mais que você busque, você nunca imaginou. Eu nunca imaginava que eu ia conseguir. É porque demorou tanto tempo que a gente ficou com aquela sensação de “será mesmo?”
- Qual foi sua reação imediata?
Falei não, então eu vou lá para a delegacia. Quando eu chego lá na delegacia, o que eu queria é que ele fosse preso. Ele foi preso, né? Então não valia a pena fazer qualquer outra coisa. E seria ilegal também.
Então eu falei para ele: “Você sabe quem eu sou? Eu sou a filha da pessoa que você matou. E eu gostaria de dizer para o senhor que o senhor está sendo preso, e que você vai pagar sua pena, nem seja minimamente”.
- O que você sentiu após falar com ele?
Isso me lavou a alma, pois a Justiça foi feita! E poder falar para minha família, principalmente. E ele estava preso, isso trouxe a sensação de alívio e de paz, assim, extrema para gente. Eu busquei, não o que a pessoa fala, onde é a vingança, o que busquei foi que a justiça fosse completa, que ela fosse feita, mas a justiça certa. “Tá, mas ela fez a justiça com as próprias mãos”. Não, o que foi feito foi o cumprimento da lei. Porque o mandado de prisão, inclusive, pode ser cumprido até por um particular, pelo cidadão.
- O que você espera para o futuro?
A gente não imagina que exista um peso tão grande nas nossas costas até ele sair. Eu não sabia que eu tinha aquele peso tão grande até o momento que ele saiu. A sensação de leveza mesmo, assim, do corpo, a sensação física mesmo. É um negócio assim, fora de sério. É que eu nem imaginava que dava para sentir.
Eu quero, o que eu busco é que os meus filhos consigam ter, que eu consiga passar para eles essa mesma ideia de que o que é seu, o que não é seu você não pega, você não faz, que um estudo leva a gente, transforma de verdade as nossas vidas.
E que tudo são escolhas que a gente faz. Tudo da nossa vida é uma coisa de escolhas que a gente faz. Então, lá atrás poderia ter tomado diversas outras decisões. Mas as escolhas que fiz fizeram com que eu chegasse até aqui. Porque, na verdade, a gente não chega a lugar nenhum se Deus não fizer a gente chegar lá.
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