Moradores voltam para Guaíba, encontram casa destruída e buscam móveis no lixo
Parte da população do município foi para a capital gaúcha para fugir das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul
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Moradores da cidade de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre, conseguiram retornar para suas casas nesta quinta-feira (16), e encontraram um cenário de lama e destruição.
Parte da população do município foi para a capital gaúcha para fugir das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Como o transporte entre as duas foi interrompido devido às inundações, essas pessoas não conseguiam voltar.
Nesta quinta, a ligação por ônibus voltou a funcionar, o que permitiu o retorno. Quem usou o veículo precisou descer na última parada do itinerário, no bairro Balneário Alegria, em um ponto onde antes existia uma faixa de areia e quadras de vôlei —todas ainda cobertas por água e lama.
A avenida João Pessoa, uma das principais vias do centro de Guaíba, ainda está inundada. Em alguns pontos, a água já começou a baixar e é possível ver o lixo acumulado nessas partes. Em outra área, uma escola virou uma cratera e uma ponte se partiu e desapareceu.
O técnico em telefonia Jairo da Silva Broza, 50, voltou para casa no município na manhã desta quinta com a mulher, Lucia Andreia Paim Rodrigues, 53.
Os dois estavam há um dia alimentando-se apenas de bolachas. Duas vizinhas informaram que passaram o endereço do casal para um grupo que distribui marmitas na cidade. O casal limpa —ou tenta limpar— o que restou da casa.
O fogão novo agora está cheio de lama. Um móvel travou a porta do quarto onde costumavam dormir. Pela janela, eles mostravam o estado do cômodo. "Quando tive que sair daqui, a geladeira já estava boiando", conta Lucia, sobre o resgate.
Jairo trabalha em uma empresa de telefonia e estava em Porto Alegre quando a mulher saiu de casa. Ele a reencontrou somente uma semana depois.
"Nem consigo mais chorar", afirma ele. "É igual à Ucrânia, mas sem cadáver no chão e bomba no céu", compara.
A linha do ônibus Guaíba-Porto Alegre chegou a ser retomada temporariamente nos últimos dias por um percurso alternativo, de cindo horas (o normal são 30 minutos), mas logo foi interrompida novamente.
Agora, o segundo recomeço, na via humanitária, leva uma hora e meia. O embarque é feito no largo Zumbi dos Palmares, em Porto Alegre. O local fica no bairro Cidade Baixa e chegou a ficar inundado.
A reportagem embarcou no ônibus que saiu às 6h20 desta quinta. Como o motorista não era o titular, ele errou o caminho em determinado momento. Willian Freitas Silveira, 38, tentava ajudar: "Vira à direita nesta", orientava do seu lugar.
Estudante de educação física, ele não escondia também a desconfiança: "Não sei o caminho que ele está fazendo", disse quando o ônibus não tomou o retorno que ele indicou e virou apenas mais a frente.
Silveira conhece o trajeto porque mora em Guaíba, mas estuda e trabalha em Porto Alegre. Todos os dias esse era o seu percurso. Dia 30 de abril, saiu para dar aulas de natação no estágio que faz na PUC-RS.
Ao saber da chuva e da cheia, não voltou e foi para a casa da ex-mulher e do filho de 5 anos, na zona norte da capital.
Apenas com a roupa do corpo, ele soube que a água invadiu a casa em que vive no bairro Santa Rita e inutilizou o armário do quarto. "Essas roupas que estou usando foram doações dos meus alunos, menos a camiseta", contou levantando o agasalho e mostrando o tecido verde-limão.
Os pais dele moram em Guaíba, mas isso deve mudar. Silveira tem duas irmãs, uma em Extrema (MG) e outra em São Paulo. A família deseja que os pais rumem para um dos destinos.
"Eu não gosto de Guaíba há muito tempo", dispara e logo justifica: "É uma cidade dormitório. A gente trabalha em Porto Alegre e sofre em Guaíba".
Ele desceu no acesso ao bairro Santa Rita, próximo da rodovia. Silveira já não teria surpresa sobre o que veria em casa. Um vídeo enviado pela mãe mostrou a destruição. "Eu acordo sonhando que a água invade o bairro de novo. Sempre pensei que para encher lá, Porto Alegre teria que estar toda embaixo d'água."
Na entrada do bairro, Alexandre Festa, 42, contava que tinha o plano de retornar para casa para não passar o aniversário, nesta quinta-feira, no abrigo.
Ele está alojado em uma escola do município desde o começo de maio, junto da filha de 15 anos e da mulher, grávida de 28 semanas. A irmã fez uma vaquinha para ajudá-lo. "Já ajuda. É difícil perder tudo. Até a roupa do bebê a gente precisou ganhar nova no abrigo. Dói", desabafou enquanto segurava a bicicleta que o levaria até em casa. O veículo estava tomado de lama e foi uma das coisas que ele conseguiu tirar de casa quando a água avançou.
Em diversas ruas de Santa Rita há pilhas de lixo em frente às casas. Duas retroescavadeiras da prefeitura recolhem o material e colocam na caçamba de um caminhão. Olhando mais de perto, os montes não se reduzem a lixo. São sofás, móveis, roupas, brinquedos, alimentos, fotos e pedaços de documentos.
As primas Monalisa Oliveira de Moura, 42, e Tailaine da Silva Moura, 44, buscam nos montes itens para a casa. "O pessoal joga fora, mas tem coisa que dá para aproveitar com uma lavada", diz Monalisa. Assim como outros moradores do bairro, elas perderam grande parte do que tinham em casa.
As duas deixaram o local e foram, inicialmente, para o campus da Ulbra em Canoas, que serve de abrigo para 3.000 pessoas. Elas retornaram na quarta (15). Desde então, já haviam conseguido "novas" poltronas e uma cama box, com o colchão ainda secando.
Monalisa têm medo de que uma nova enchente aconteça. A vontade é ir embora dali, como também quis Silveira, logo após chegar no ônibus. Quando o transporte foi interrompido, teve quem cruzou o lago Guaíba, saindo de Porto Alegre, em caronas de barco.
Apesar de a água baixar em alguns pontos e da volta dos moradores, a reconstrução está longe do fim.
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