Novo projeto do MP reforça combate à "epidemia" de feminicídios em Pernambuco
Com atuação em todo o estado, o Portas Abertas às Vítimas quer proteger mulheres e familiares de crimes e garantir direitos
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) anunciou nesta segunda-feira (15) o projeto Promotoria de Justiça de Portas Abertas às Vítimas, que permitirá que mulheres e familiares de vítimas de crimes peçam ajuda à instituição, quando se sentirem ameaçadas, mesmo sem a obrigação de registrar boletim de ocorrência. Para o MPPE, os números de feminicídio em Pernambuco, podem ser considerados como uma “epidemia de saúde pública", num cenário nacional também de muito desfavorável.
A busca ativa pelas vítimas de violência também será reforçada, bem como a cobrança de políticas públicas nos municípios. O anúncio foi feito em meio a dados estarrecedores da Secretaria de Defesa Social do estado. Até o dia 10 de dezembro de 2025, 83 mulheres morreram vítimas de feminicídio no estado, número que já supera o total de 76 em 2024,
Para se ter uma ideia, somente entre sexta-feira e hoje, já depois do dia 10, houve mais um feminicídio por estrangulamento e pelo menos duas tentativas de feminicídios acompanhados pela TV Tribuna PE.
Atendimento humanizado e apoio às vítimas
O Portas Abertas às Vítimas visa oferecer atendimento humanizado e garantir direitos às pessoas vítimas de crimes, especialmente mulheres e familiares de vítimas de feminicídio.
Segundo a promotora Ana Clézia Nunes, a iniciativa faz parte do planejamento estratégico do MPPE e busca a adesão de todas as promotorias do estado.
“Queremos garantir, de modo geral, que as pessoas vítimas de crimes contra a vida recebam esse apoio institucional para seguirem com seus projetos de vida”, explica.
Segundo ela, todas as promotorias do estado já podem atender a mulheres em situação de violência, e haverá busca ativa para convidar vítimas e familiares a procurar apoio quando não se sentirem seguras de procurar a polícia.
“Muitas vezes nós vamos efetivamente até lá (até a vítima), para garantir direitos, oferecer informações jurídicas e dizer que elas têm direito a participar do inquérito do processo penal, entre tantos outros direitos”, acrescenta a promotora.
Violência de gênero é problema de todos
Ana Clézia lembra que a violência contra a mulher é estrutural e sistêmica, atingindo a vítima apenas pelo fato de ser mulher. “É uma responsabilidade de todos nós… A violência por razões de gênero atinge a mulher por ser mulher, é como se ela não tivesse o direito de existir”, afirma.
Ela reforça que sociedade civil e a imprensa devem estar atentas durante a divulgação de casos, para evitar novas ofensas ou violações aos direitos das mulheres.
"Precisamos estar atentos, sociedade civil e imprensa para que, no percurso de uma divulgação de violência de gênero, não haja mais ofensas ou violações aos direitos humanos das mulheres", destacou.
Epidemia de violência
O alto índice de violência contra a mulher, segundo a promotora, pode ser classificado como uma epidemia. Além dos feminicídios, ela inclui violência sexual, patrimonial, moral e psicológica.
“É dito como uma epidemia e os números podem permitir isso, já que nós sabemos que existem várias violências. Nós (a sociedade) divulgamos muito a violência física, mas nós temos a violência sexual, a violência patrimonial, a violência moral, a violência psicológica, é um sem número de violência e todos os dias, a todo momento, uma mulher ou uma menina é vitimada. Então, sim, nós podemos considerar, por isso, e foi declarado, uma questão de saúde pública e que exige urgência na atuação Ana Clézia Nunes, Promotora de Justiça
Como a vítima pode buscar ajuda
O projeto já está em funcionamento imediato. As promotorias receberam kits e instruções para aderir à iniciativa, e o Núcleo de Apoio às Vítimas intensificará os contatos internos para esclarecer o projeto.
“Todas as promotorias do estado já receberam os kits e, a partir de agora, o Núcleo de Apoio às Vítimas vai intensificar esse contato institucional para que todos façam adesão e as pessoas sejam atendidas”, detalha Ana Clézia.
O atendimento será voltado para a vítima, e não para o agressor. “As mulheres precisam confiar na instituição e saber que os caminhos terão a participação dela. Elas poderão decidir a melhor forma como será feita a abordagem”, reforça.
Embora seja o indicado, segundo a promotora, não é necessário que a vítima tenha registrado boletim de ocorrência antes de procurar o MP; uma vez que o órgão pode oferecer escuta, orientação e encaminhamento seguro para delegacias ou serviços da rede de proteção, incluindo abrigamentos ou medidas protetivas, quando necessário. Ela frisou, no entanto, que os abrigamentos devem ser um dos últimos recursos.
“Nós não queremos uma mulher segregada, nós queremos um agressor segregado, se for necessário Ana Clézia Nunes, Promotora de Justiça
Rede de proteção e articulação com municípios
O MPPE atua em todos os inquéritos de violência de gênero e busca fortalecer a rede de proteção em parceria com municípios e instituições. “O Ministério Público induz políticas públicas, fiscaliza e fortalece a rede… todas as instituições precisam ser cobradas para oferecer estrutura, proteção e assistência. Por isso, nós estamos nos dedicando a esse trabalho institucional interno para também cobrar das instituições”, afirma Ana Clézia.
O projeto prevê expansão dos núcleos de apoio a vítimas em cidades como Caruaru, Arcoverde e Serra Talhada. Mesmo sem núcleos locais, o MPPE já atende até mesmo a vítimas em outros estados e realiza articulação interestadual, garantindo suporte às famílias de vítimas de feminicídio.
Acolhimento aos filhos
O anúncio contou com a presença do procurador-geral de Pernambuco, José Paulo Xavier. Segundo ele, o Ministério Público busca, por meio da comunicação, da informação e do acolhimento, induzir políticas públicas e, ao mesmo tempo, reprimir os agressores, de modo que se sintam inibidos pela força do Estado, enquanto as mulheres são encorajadas a denunciar qualquer tipo de prática, seja ela emocional, patrimonial ou física.
“O Ministério Público está aí para proteger não somente as mulheres vítimas de violência, como também os filhos que ficam órfãos quando as mães morrem. Eles são as maiores vítimas indiretas, como chamamos José Paulo Xavier, Procurador-geral de Justiça
Ele acrescentou que, dada a vulnerabilidade das crianças e adolescentes órfãos, o MP, por meio das promotorias de Justiça, da Defesa da Infância e Juventude e do Núcleo de Apoio às Vítimas, insere essas pessoas na rede de proteção do Estado, oferecendo programas de saúde, educação, acolhimento e profissionalização, minimizando os impactos da violência sofrida.
“É um trabalho mais do que necessário, um trabalho muito difícil, inclusive. Números que só fazem aumentar e a gente está todo dia aqui trazendo isso”, completou.
As vítimas de violência sexual
A promotora de Justiça Maísa Oliveira alerta que mulheres vítimas de violência sexual muitas vezes são mais julgadas do que o próprio agressor, o que exige repensar a forma como essas vítimas são tratadas. Ela observa que há registros de subnotificação desse tipo de violência, já que muitas mulheres não denunciam por medo de revitimização, de serem questionadas ou julgadas.
“Muitas vezes fica apenas no âmbito da família, da igreja ou da escola, e isso não é levado adiante”, afirma. A promotora destaca a importância de conscientizar pessoas que recebem esses relatos para encorajar a denúncia e o encaminhamento aos órgãos públicos, permitindo ao Ministério Público atuar na proteção das vítimas. Ela ressalta ainda que o aumento desse tipo de violência é uma preocupação refletida em todo o país.
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