Aline Maria entre flores, espinhos e música em álbum
Disco de estreia traz doçura, mansidão e inocência características habitam lado a lado com os espinhos criados nesses 15 anos de trajetória artística
No jardim florido que semeia a música capixaba, ganha vida “Bruta-Flor”, disco de estreia de Aline Maria, cuja doçura, mansidão e inocência características habitam lado a lado com os espinhos criados nesses 15 anos de trajetória artística.
Durante esse período, a artista não só deu voz a diferentes projetos, como o Pó de Ser Emoriô e o trio Suindara, mas também foi atravessada por diferentes vivências, a exemplo de sua passagem pelo vilarejo de Patrimônio da Penha.
“Esse álbum conta um pouco das experiências que tive ao longo desses anos no campo da amizade, da espiritualidade, da luta social, do autoconhecimento, das desilusões do amor e da maturidade que adquiri. Os espinhos foram cruciais para que eu, depois de tantas aventuras, pudesse, enfim, priorizar o meu sonho e realizar esse trabalho”, afirma a capixaba ao AT2.
O disco vai de sua primeira composição, “Compressa”, que é tratada pela artista como “uma homenagem à jovem Aline Maria no centro de sua crise existencial universitária”, ao samba romântico “Naturalmente”, feito especialmente para o projeto e que ganhou o violão marcante de Daniel Silva.
A já conhecida “Bailado de Cabocla” ganha novo brilho ao trazer os vocais suaves de Ada Koffi. Já André Prando aparece em “Cruel” (Sérgio Sampaio), única releitura ao lado de 8 faixas autorais.
“Nesse álbum, definitivamente, nem tudo são flores e há que se apontar as dores, porque, afinal, como diz a própria canção... 'espinho é bem mais fundo'”.
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Por que o projeto leva o nome de “Bruta Flor”? É como se reconhece depois desses 15 anos de caminhada artística?
“Bruta flor do querer” é uma frase da canção "O Quereres", de Caetano Veloso, que há muito faz parte do meu repertório. Ela fala sobre nossas eternas contradições e a complexidade da personalidade humana, que nunca caberá na limitada expectativa alheia.
“Bruta Flor” é como eu me vejo hoje na balança do jogo da vida. Sou uma libriana que nasci junto com a primavera. Tenho em mim um traço forte de mansidão, doçura, inocência, delicadeza e diplomacia, mas a vida real em seus caminhos tortos foi me moldando e mostrando um outro lado de bravura, inquietude, protesto e brutalidade que igualmente me constitui.
E afinal nesse ouroboros da existência fui compreendendo que somos mesmo constituídos de forças fundamentais ao mesmo tempo antagônicas e complementares que não se limitam ao bem e ao mal. E esse álbum é uma constante busca de equilíbrio entre a dor e a delícia da vida como ela é.
Qual foi a primeira canção composta, lá em 2011? Ela foi gravada da maneira que foi composta?
"Compressa" foi a primeira canção que compus na vida. Quando criança eu já brincava de fazer música, já revelando uma vocação de compositora, mas considero “Compressa” a primeira porque ela foi feita no trabalho da construção literária intencionada.
Eu era estudante de Letras na Ufes e um projeto chamado "Poetas no espaço” fez circular um caderno de poesia autoral pela casa dos estudantes de diferentes cursos. Neste caderno, escrevi a poesia de “Compressa” e posteriormente a transformei em canção.
Para o disco, a música ganhou um arranjo todo especial feito pelo produtor Rodolfo Simor e especialmente nela convidamos alguns integrantes da Orquestra da Quebrada para um arranjo de cordas feito pelo multi-instrumentista Adriel Natan. Eu também fiz algumas pontuais modificações na letra. Ela entra no disco como uma homenagem à jovem Aline Maria no centro de sua crise existencial universitária…
“Vim Fazer um Samba” foi a última canção composta para o projeto?
Não. “Vim fazer um samba” faz parte da leva de músicas antigas, criada no período do Pó de Ser Emoriô com meu parceiro Thiago Perovano. A última canção que criei para o álbum chama-se "Naturalmente", e é um samba que celebra a sorte de um amor tranquilo que chega de repente, quando a gente já não insiste em procurar. O disco já estava todo pronto e arranjado e por esta razão ela ganhou uma versão simplificada de voz e violão. Mas não um violão qualquer, e sim o violão do brilhante músico Daniel Silva, de quem sou grande fã.
Eu sabia que o disco precisava ter 9 canções. E sentia no meu coração que a nona ia chegar no meio do processo. E assim foi. Chegou inteirinha numa tarde e ganhou forma de maneira muito natural e mágica. Tenho especial carinho por essa canção que, por sinal, é a minha primeira composição de amor romântico.
Morou um tempo no Caparaó. Por quanto tempo? De que forma essa região está presente no projeto?
Morei por 8 anos no Caparaó, no vilarejo de Patrimônio da Penha. Um período de profundas e intensas aventuras no campo da espiritualidade e das relações sociais. Posso dizer sem medo que o Caparaó me revirou do avesso. Me fez nascer de novo, com um nome novo, me ensinou muito sobre a vida em comunidade, me despiu de todas as formas possíveis para que eu pudesse enxergar bem fundo (até o dedão do pé) a complexidade da minha existência, me ensinou a viver na simplicidade, a servir ao próximo sem olhar a quem e, sobretudo, me conectou de maneira irreversível com a força da natureza.
O Caparaó me presenteou com a Suindara, projeto musical tão importante com o qual gravei um EP e um videoclipe da música “Bailado de Cabocla”, composição minha que recebi na força daquelas montanhas e que agora ganha nova versão no álbum “Bruta Flor”, com a participação de Ada Koffi.
Com o Caparaó também aprendi a dosar alguns pares de força como dar e receber, amor altruísta e amor-próprio, simplicidade e baixa autoestima, fé e ação, prática espiritual e fanatismo religioso e por aí vai. Tudo isso de alguma forma está presente nesse jardim diverso que é “Bruta Flor”.
Por que fazer uma releitura de “Cruel” e chamar André Prando para embarcar nessa com você?
Eu sempre quis gravar Sérgio Sampaio, desde o início da carreira. Sou uma grande fã da profundidade poética, política e estética desse compositor que é tão nosso. No YouTube, tenho um vídeo de 2011 interpretando "Pobre Meu Pai", quando ainda utilizava o nome artístico Aline Hrasko. De lá pra cá participei de muitos Festivais Sérgio Sampaio, dentre eles o de 2013, que fiz a direção musical do espetáculo "Magia Pura”.
Escolhi “Cruel” porque acho que é a canção delicada e ferina que melhor dialoga com o universo semântico do disco, que fala ao mesmo tempo de acalanto e angústia, de coisa belas e desigualdade social, de conexão espiritual e prazer sem culpa. Porque nesse álbum, definitivamente, nem tudo são flores e há que se apontar as dores, porque afinal, como diz a própria canção “espinho é bem mais fundo”. E "Cruel” é esse sussurro gritado que nos recorda das farpas de um sistema desigual, que fere, silencia e exclui.
André Prando é muito mais que um feat pra mim, é a celebração de um encontro de almas que caminham lado a lado há anos, entre palcos, canções, silêncios e gargalhadas. André sempre foi, para mim, a personificação da entrega absoluta ao que chamamos de arte. Há mais de uma década, ele me assistia cantar nos bares e se inspirava. Hoje, sou eu quem o vê e se inspira e emociona. Somos espelhos de admiração mútua, guiados neste single por uma luz maior chamada Sérgio Sampaio, que é, para nós, um farol de imensa referência.
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