Preconceito afeta pacientes com transtornos mentais
Psiquiatra explica que sintomas podem ser agravados com atitude preconceituosa, que até impede a pessoa de buscar por ajuda
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“Falta de fé”, “frescura”, “falta de Deus”, “desculpa para não trabalhar ou estudar”, ou “falta de força de vontade”. Alguma vez você já pensou ou falou uma dessas frases com quem sofre de transtorno mental?
Esses termos são característicos de quem tem preconceito contra os pacientes de doenças mentais.
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A psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo (Apes), Lícia Colodete, explica que esse preconceito é chamado de psicofobia. Ela vai além: os sintomas das doenças mentais podem ser agravados pelo preconceito.
“A psicofobia impede a busca por ajuda. Sem tratamento adequado, a doença se agrava, o paciente se vê sozinho, desamparado, tende à desesperança, instalando-se aí o risco de suicídio”, alerta a médica.
Durante todo este mês, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) chama atenção para a Campanha Setembro Amarelo, dedicada à prevenção ao suicídio. “Quebrar os estigmas direcionados a quem sofre de transtorno mental é um dos alvos da campanha.
A Tribuna – O que exatamente é a psicofobia?
Lícia Colodete – Psicofobia é o estigma relacionado às doenças mentais. O estigma produz preconceito, que gera exclusão. O estigma e o preconceito impedem a busca por um diagnóstico, pelo tratamento, podendo até levar o paciente de transtorno mental ao suicídio.
Quais são os principais preconceitos associados à psicofobia?
Ao longo da história, as doenças mentais foram associadas à bruxaria e à possessão demoníaca. Por incrível que pareça, essas ideias ainda hoje circulam no imaginário social.
Há ainda a ideia da imprevisibilidade, de que o doente mental é perigoso. Há também uma descrença no tratamento, na melhora dos pacientes, que passam a ser vistos com desconfiança.
Como a psicofobia afeta a vida das pessoas que sofrem com transtornos mentais?
A psicofobia atrapalha, quando não impede, a busca pelo tratamento adequado. Há menor investimento em serviços de psiquiatria do que em outras especialidades médicas, por exemplo.
Os pacientes, que percebem o preconceito, frequentemente se culpam por não responderem a uma expectativa social, econômica e comportamental. Como se não bastasse o sofrimento da doença, precisam lidar com os efeitos do estigma.
Se a doença não for legitimada, seja pela família, sociedade, seja pelo próprio paciente, não haverá busca por ajuda especializada. A falta de tratamento adequado agrava o problema, que pode evoluir para desfechos trágicos como o suicídio, por exemplo.
De que forma o suicídio pode ter ligação com a psicofobia?
A psicofobia impede a busca por ajuda. Sem tratamento adequado, a doença se agrava, o paciente se vê sozinho, desamparado, tende à desesperança, instalando-se aí o risco de suicídio.
Quais são os sinais de alerta de que alguém pode estar sofrendo de psicofobia e como podemos apoiar essa pessoa?
Não buscar ajuda, entrar em isolamento, começar a achar que para o seu problema “não tem jeito” e ficar desesperançoso. Tudo isso são efeitos de estigma, que só agravam o quadro e aumentam o risco de heteroagressividade e autoagressividade, como o suicídio.
Podemos apoiar reconhecendo o problema e oferecendo ajuda para buscar tratamento.
Como saber se estou sendo preconceituoso com alguém que sofre com algum transtorno mental?
Reconhecer os próprios preconceitos é o primeiro passo para evitar as atitudes preconceituosas. Não é fácil, naturalmente. Mas é melhor. A vida fica melhor sem preconceito, fica mais leve, dinâmica e rica. Acho que o esclarecimento, tentar compreender os motivos do outro e buscar a empatia são atitudes positivas e recomendáveis.
Quais são as estratégias mais eficazes para combater a psicofobia?
Conscientizando a população com informação de qualidade sobre os transtornos mentais, exigindo do poder público serviços de qualidade para a assistência em saúde mental, promovendo políticas inclusivas de saúde e segurança social, dentre outras medidas. Lutar contra qualquer tipo de preconceito exige engajamento, paciência e um bocado de coragem.
Como educar a sociedade sobre a importância de tratar a saúde mental com a mesma seriedade que a saúde física?
Não existe saúde sem saúde mental. Não existe, na vida, esta separação entre o físico e o psíquico. As doenças mentais acontecem no corpo e vice-versa.
Basta observarmos um pouquinho nós mesmos e veremos que não temos como nos dividir desta forma sem, aí sim, produzirmos doenças. A saúde é necessariamente uma integralidade.
Fique por dentro
Em 2011, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, realizou uma entrevista exclusiva com o humorista Chico Anysio, que revelou em primeira mão que fazia tratamento psiquiátrico para depressão há 24 anos. Foi aí que se percebeu a necessidade de criar uma palavra que descrevesse todo o preconceito sofrido não só pelo humorista, mas por todas as pessoas que padecem de doenças mentais.
O estigma pode impedir o tratamento e até levar ao suicídio de um paciente de doença mental. Para esse estigma, deu-se o nome de psicofobia.
Todos os dias, milhares de pessoas recebem o diagnóstico de doença mental no mundo. Dentre elas, há a depressão, transtorno de humor, transtorno de déficit de atenção, transtornos de personalidade, transtorno de ansiedade e muitos outros problemas que podem afetar crianças, jovens, adultos e idosos.
Estigma - Aquilo que é considerado indigno, desonroso.
Heteroagressividade - Agressividade em relação ao exterior do próprio indivíduo.
Os números
23 milhões de pessoas no Brasil sofrem com depressão
1 bilhão de pessoas sofrem com doenças mentais em todo o mundo
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