Superbactérias são ameaça e idosos correm mais riscos
Pesquisa alerta que o impacto pode ser devastador e pessoas com mais de 70 anos poderão representar até 65,9% das mortes
Escute essa reportagem
A ameaça crescente das superbactérias, que estão ficando cada vez mais resistentes aos antibióticos, pode causar um risco à saúde mundial. Pesquisadores alertam que o impacto pode ser devastador nas próximas décadas, com milhões de mortes no mundo.
A maior parte das vítimas previstas são os idosos, especialmente aqueles com 70 anos ou mais, que poderão representar até 65,9% das mortes por resistência antimicrobiana (RAM).
No total, entre 2025 e 2050, estima-se que a resistência a antibióticos levará diretamente a mais de 39 milhões de mortes e estará associada a 169 milhões de mortes indiretas pela condição.
Os dados foram publicados na revista The Lancet, na última segunda-feira, e o artigo, elaborado por pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, considerou dados de 204 países e territórios desde 1990 até 2021.
Além disso, 22 patógenos, 11 tipos de infecções causadas por essas bactérias e 16 categorias de medicamentos, com diferentes combinações entre eles, foram analisados na pesquisa.
O intensivista Eduardo Luchi explica que a resistência antimicrobiana acontece em germes que podem ser intrinsecamente resistentes, ou seja, já são naturalmente resistentes a um determinado tipo de antibiótico, ou essa resistência é adquirida ao longo da vida.
“Os fatores que mais levam a essa resistência adquirida, antimicrobiana, disparadamente é o uso de antibiótico prévio”, explica.
O médico explica que o público mais idoso é um dos mais prejudicados com infecções por bactérias multirresistentes.
“Pacientes com doenças crônicas, como diabetes, doenças pulmonares relacionadas ao tabagismo, doenças renais crônicas, doenças hematológicas de uma forma geral e oncológicas têm uma tendência a ter infecções de bactérias mais resistentes porque o seu sistema imunológico é mais enfraquecido”, alerta.
O infectologista Luís Henrique Borges destaca ainda que as crianças também são vulneráveis, principalmente as prematuras e desnutridas, que acabam tendo mais infecções.
“Assim como os idosos, pessoas transplantadas e com câncer, esse público acaba tendo mais contato com o serviço de saúde e hospitalização, por isso tem mais contaminação por bactérias”.
Mais de 3 mil morreram este ano por infecção no Estado
No Estado, 3.588 pessoas morreram este ano por septicemia, também conhecida como sepse ou infecção generalizada. Em 2023, foram 5.042 mortes. No Brasil, em todo 2023, foram 178.629 mortes. Os números são do Portal de Transparência do Registro Civil.
O intensivista Eduardo Luchi explica que a sepse é uma síndrome relacionada a uma resposta inflamatória desproporcional do organismo a um insulto infeccioso.
“E essa resposta inflamatória vai causar uma disfunção de um ou mais órgãos do indivíduo. Então, você pode ter uma infecção no pulmão e o paciente evoluir com uma alteração nos rins”.
O médico frisa ainda que a sepse é uma síndrome infecciosa grave, muito prevalente no Brasil e no mundo inteiro, que, inclusive, pode acontecer dentro dos hospitais.
A especialista em medicina intensiva Eliana Caser alerta que alguns fatores aumentam o risco de morte, como a bactéria gram-negativa Pseudomonas aeruginosa, que causa infecção, por exemplo, pneumonia adquirida no hospital, necessitando o paciente de suporte respiratório mecânico.
O infectologista Luís Henrique Borges diz que para reduzir as mortes por resistência bacteriana é preciso, por exemplo, evitar cirurgias sem que haja indicações precisas.
“Vemos muitas cirurgias corretivas, estéticas, inclusive com introdução de materiais estranhos, tudo isso tem gerado infecções”.
Outro ponto, segundo ele, são as indicações de antibióticos para quadros virais, que, em 90% dos casos em pronto-socorro, não precisariam do uso desse medicamento.
O estudo feito por pesquisadores norte-americanos apontou que a bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina é uma das principais responsáveis pelo aumento da mortalidade associada à RAM.
“Nos últimos 40 anos, essa bactéria, que causa o furúnculo, erisipela e foliculite, vem perdendo a sensibilidade aos antibióticos. Estamos tendo essa bactéria mais agressiva”, explica o infectologista.
Medidas podem reduzir mortes
O que pode ser feito para tentar reduzir as mortes por infecções? Os pesquisadores observaram que, entre crianças menores de cinco anos, as mortes por superbactérias caíram em mais de 50% entre 1990 e 2021. E isso se deve à redução de infecções e também pela vacinação.
Melhorar o atendimento de infecções graves e ampliar o acesso a antibióticos eficazes pode salvar até 92 milhões de vidas entre 2025 e 2050, apontam os pesquisadores.
Outra medida crucial é o desenvolvimento de novos medicamentos para combater bactérias gram-negativas, que podem prevenir até 11,1 milhões de mortes.
“Esse estudo aponta que não temos visto interesse da indústria farmacêutica na produção de novos antibióticos”, destaca o infectologista Luís Henrique Borges.
“Estamos prevendo, para os próximos anos, que os antibióticos que temos agora, se continuarem nessa velocidade de produção, não serão mais suficientes. Teremos mais mortes”, alerta o médico.
O infectologista aponta como um dos fatores para o desinteresse na produção dessa classe de medicamento seu uso com tempo reduzido.
“A indústria farmacêutica está voltada para remédios que a população vai tomar a vida toda, como impotência, queda de cabelo, diabetes e hipertensão. Já o antibiótico o indivíduo usa de cinco a 10 dias e para de tomar”, explica.
Segundo a médica especialista em medicina intensiva Eliana Caser, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Organização Mundial da Saúde reitera “a necessidade urgente de novos antibióticos para combater as bactérias resistentes, especialmente as bactérias gram negativas, muito frequentes nas infecções hospitalares relacionadas aos cuidados de saúde”.
Saiba mais
Superbactérias
- Dados recentes apontam que, em 2021, diretamente ou não, cerca de 5 milhões de mortes estiveram ligadas à infecções resistentes.
- De 2025 até 2050, as bactérias multirresistentes a antibióticos poderão causar cerca de 39,1 milhões de mortes atribuíveis à resistência antimicrobiana (RAM) e 169 milhões de mortes associadas à RAM.
- Por ano, a estimativa é de 1,91 milhão de mortes diretamente associadas a esse problema.
Dados
- O estudo considerou dados de 204 países e territórios desde 1990 até 2021.
Mais afetados
- As regiões mais afetadas serão o Sul da Ásia e a América Latina, com a maior parte das vítimas previstas para serem idosos, especialmente aqueles com 70 anos ou mais, que poderão representar até 65,9% das mortes por RAM.
- A bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é uma das principais responsáveis pelo aumento da mortalidade associada à RAM.
Fonte: The Lancet.
Comentários