Entenda como está o julgamento no STF sobre norma que restringe aborto legal
Resolução do Conselho Federal de Medicina proíbe médicos de realizar a assistolia fetal
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A suspensão do julgamento iniciado nesta sexta (31) no Supremo Tribunal Federal (STF) da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que restringe o aborto legal em gravidezes resultantes de estupro acima de 22 semanas sinaliza que a corte está dividida e que ainda é incerto o prazo para uma decisão final.
A sessão ocorria no plenário virtual, em que os ministros depositam seu voto eletronicamente por escrito, mas foi paralisada quando o placar de votação estava 1 a 1, após pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques. Isso acontece quando um ministro quer que a votação ocorra em plenário físico.
Em razão disso, o processo saiu da pauta e aguarda agora que o ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF, o submeta à análise do plenário físico. Ainda não há data para isso acontecer. Por enquanto, a resolução permanece suspensa.
A norma do CFM, que chegou a ser derrubada, mas logo depois voltou a valer, proíbe médicos de realizar a assistolia fetal, que consiste numa injeção de produtos químicos que interrompe os batimentos cardíacos do feto antes da sua retirada do útero. A prática é recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para interrupções de gestações avançadas nos casos previstos em lei.
Devido ao veto, abortos legais, a maioria de crianças e adolescentes estupradas, foram interrompidos. No último dia 17, o ministro Alexandre de Moraes derrubou, por meio de liminar, a resolução do CFM. Depois, fez um adendo suspendendo todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares abertos contra médicos por causa da norma.
Em São Paulo, ao menos duas médicas foram processadas pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina paulista) e tiveram seus registros suspensos por adotarem o procedimento. Outros conselhos pelo país ensaiavam decisões semelhantes.
O magistrado proibiu ainda a instauração de qualquer novo procedimento contra os profissionais de saúde baseado na norma.
A decisão de Moraes foi uma resposta a uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) proposta pelo PSOL e pela organização Anis (Instituto de Bioética), da qual ele é relator.
A ação sustenta que a norma do CFM é inconstitucional, institui "tratamento discriminatório no acesso à saúde", indo na contramão das situações previstas em lei para a realização do aborto legal no Brasil.
No entendimento de Moraes, há "indícios de abuso do poder regulamentar" por parte do CFM ao expedir a resolução, por meio da qual fixou condicionante que ultrapassa a lei. A legislação atual autoriza o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez resultante de estupro.
Segundo ele, "o ordenamento penal não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal, cuja juridicidade, presentes tais pressupostos, e em linha de princípio, estará plenamente sancionada".
Mas como se trata de uma ação de controle de constitucionalidade, a regra é que as decisões precisam ser colegiadas, ou seja, não podem ser tomadas por uma decisão individual de um ministro, segundo o advogado Henderson Fürst, presidente da comissão de bioética da OAB-SP.
"Quando o ministro relator [Moraes] deu a decisão monocrática, ele já a encaminhou para análise do plenário virtual", explica.
Na sexta, Moraes votou para manter suspensa a resolução, ratificando a sua decisão anterior. Já o ministro André Mendonça votou contra.
Para ele, o STF tem que ser deferente às decisões "técnicas" de um conselho especializado. No recurso que apresentou, o CFM nega que a resolução viole princípios constitucionais.
Com o pedido de destaque de Nunes Marques, o processo sai de pauta e fica aguardando Barroso pautar para a análise do plenário físico. Enquanto isso, segue valendo a decisão de Moraes.
Na última segunda (27), o CFM voltou a pedir que a ação que está sob a relatoria de Moraes seja julgada pelo ministro Edson Fachin por ele ser também o relator da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 989. A iniciativa pede que o Estado brasileiro assegure a realização do aborto nas hipóteses previstas em lei, hoje dificultada por uma série de obstáculos.
Ao defender a redistribuição do processo, o CFM equipara a sua atuação à do poder público e diz que a decisão que suspendeu a resolução trata da "mesma coisa" que a ADPF que discute as dificuldades impostas a mulheres que buscam um aborto legal.
O pedido já havia sido negado por Moraes anteriormente. Segundo o magistrado, a ação que contesta a restrição à assistolia fetal "se insurge contra ato administrativo específico e de escopo bem delimitado, exarado por autarquia federal". "Embora versando sobre temáticas correlatas, as arguições tratam de objetos distintos", concluiu o ministro.
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