Onde o tempo aprende a virar vinho
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Cheguei sem pressa. Talvez porque, caro leitor, o frio da Serra Gaúcha peça isso da gente: desacelerar. Entre Gramado e Canela, a paisagem muda de ritmo, a estrada fica mais silenciosa e, de repente, os parreirais surgem como quem guarda um segredo antigo.
Foi ali, na vinícola Jolimont, que eu entendi que vinho não começa na garrafa. Começa no chão. Pisei naquele solo como quem pisa num livro aberto.
Terra escura, organizada, viva. Fileiras de parreiras desenhando o horizonte. Um lugar que, há mais de 70 anos, aprendeu a transformar clima, silêncio e paciência em sabor.
Descobri que aquele pedaço de mundo foi escolhido por um francês em 1948, justamente por parecer com a terra de onde ele vinha. Hoje, carrega sotaque brasileiro, mas mantém a alma europeia.
Enquanto eu caminhava entre as videiras, percebia que ali tudo tem nome próprio. Chamam de terroir, mas poderia ser identidade. É isso que faz aquele vinho ser só daquele lugar. Nem igual ao da cidade ao lado. Nem igual ao do outro país. Só dali. Exclusivo como a memória de uma boa conversa.
E então entendi que não estou apenas num campo de uvas. Estou num campo de experiências. Pessoas andando devagar, taças nas mãos, turistas curiosos, risadas soltas. Ali, o vinho deixou de ser apenas bebida. Virou encontro. Degustação. Piquenique no meio do parreiral. Pisa da uva. O produto virou vivência.
Quando entrei na sala dos barris, o tempo ganhou cheiro. Madeira, baunilha, leve lembrança de café.
O sommelier me explicou que ali o vinho respira aos poucos, em microdoses de ar, até ficar mais macio, mais redondo, mais complexo. Fiquei pensando que talvez a gente também precisasse de barris de carvalho na vida para aprender a amadurecer sem perder a essência.
Em outro espaço, vi tanques de concreto. Tecnologia moderna. Nada de madeira. Ali o vinho fica mais puro, mais direto, só a fruta falando. Dois métodos. Dois caminhos. Nenhuma resposta certa. Só jeitos diferentes de chegar ao mesmo destino: o prazer.
E então veio a surpresa maior. Um vinho que só nasce em anos perfeitos. Safras raras. Clima exato. Uva no ponto. Mais de 20 medalhas. Um rótulo que já ficou entre os melhores do mundo.
Quando ouvi isso, não pensei em premiação. Pensei no tanto de sol, chuva, frio, espera e silêncio que existe por trás de cada gole. Antes de ir embora, olhei de novo para os parreirais ainda vazios. Em poucas semanas, tudo estará carregado de uvas. Será tempo de Vindima. Festa. Gente. Colheita. O ciclo recomeçando.
Saí com a nítida sensação de que o vinho não é um produto. É uma história líquida. Que escorre da terra, atravessa a mão do homem e vai direto para a memória da gente.
E esse assunto é destaque no Negócio Rural desta semana.
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