Descoberta em caverna arqueológica na Espanha revela guerra de 5.000 anos atrás
Boa parte das centenas de pessoas enterradas no jazigo coletivo foi ferida por flechas, porretes e outras armas
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Uma nova análise de um dos sítios arqueológicos mais impressionantes da Europa pré-histórica indica que o lugar serviu de sepultura para as vítimas da mais antiga guerra do continente, travada há cerca de 5.000 anos. Boa parte das centenas de pessoas enterradas no jazigo coletivo foi ferida por flechas, porretes e outras armas e parece carregar as marcas de combates que podem ter durado meses.
O sítio arqueológico, conhecido como San Juan ante Portam Latinam (ou SJAPL, para encurtar), fica na região espanhola de Rioja Alavesa, no país Basco. Descoberta acidentalmente quando uma retroescavadeira estava alargando uma estrada no local em 1985, a sepultura comunal é uma área de 20 m2, dentro de um abrigo rochoso, na qual foram descobertos os restos mortais de pelo menos 338 indivíduos.
Tamanho acúmulo de corpos numa área tão pequena poderia indicar algum tipo de catástrofe natural, como ondas de fome ou epidemias, ou então um massacre —um grupo rival invadindo a localidade e matando seus habitantes de forma indiscriminada, por exemplo.
No entanto, os estudos feitos desde então sobre o jazigo, complementados agora pelas novas análises, que acabam de sair na revista especializada Scientific Reports, sugerem que a hipótese da chacina não explica a distribuição de indivíduos enterrados ali. Embora não seja possível determinar o sexo de todas as pessoas na tumba, os esqueletos em que isso é viável (correspondentes a 153 dos mortos) são, em sua grande maioria (70% dos casos), de homens adultos e adolescentes do sexo masculino.
Essa proporção é o que se espera em contextos arqueológicos de guerra, porque a presença feminina em combates era raríssima no passado. Além disso, a predominância masculina nos esqueletos com sinais detectáveis de ferimentos é ainda mais elevada. Os homens correspondem a 81,7% dos casos de lesões que tinham se curado na época da morte —e a impressionantes 97,6% das lesões que não tinham sarado no momento da morte. Isso não significa que mulheres e crianças também não tenham sofrido esse tipo de lesão entre os mortos do sítio, mas sua presença é bem menos frequente.
Dezenas desses ferimentos que deixaram marcas nos ossos atingiram o crânio, na região conhecida como "acima da aba do chapéu". É um termo usado pelos estudiosos da violência em contextos arqueológicos, que designa justamente as áreas da cabeça que dificilmente vão sofrer fraturas por acidentes, mas muito provavelmente são o principal alvo de confrontos entre humanos que estão segurando objetos contundentes —porretes, bastões etc.— e querem nocautear ou matar seu adversário. Outro detalhe interessante é a presença ocasional das chamadas "fraturas de aparar" —que costumam afetar os braços de alguém que tenta aparar um golpe dado pelo seu adversário.
Há ainda marcas de flechadas em diferentes partes do corpo e mais de 50 pontas de flecha preservadas dentro da sepultura coletiva —feitas de pedra, já que as mortes ocorreram durante o Neolítico (popularmente conhecido como "Idade da Pedra Polida"), entre 3400 a.C. e 3000 a.C. A época é ligeiramente anterior ao início da Idade de Bronze na Europa.
"Não é possível determinar quanto tempo levou para chegarmos ao acúmulo de corpos em SJAPL porque temos uma irregularidade na datação por radiocarbono justamente nessa época, que impede determinar a data com mais precisão", explicou à reportagem a coordenadora do estudo, Teresa Fernández-Crespo, da Universidade de Valladolid. "Apesar disso, o fato de que alguns indivíduos mostrem ao mesmo tempo feridas cicatrizadas e sem cicatrizar nos indica que a violência pode ter durado meses."
São esses elementos, em conjunto, que levam a equipe a sugerir que a região pode ter sido palco de um conflito de escala e duração muito superiores ao que se espera para o Neolítico europeu dessa época, levando potencialmente a centenas de mortes e combates múltiplos que se arrastaram por semanas a fio. Embora casos de violência entre grupos já existissem no registro arqueológico do continente no período, praticamente nada se compara ao caso espanhol, que parece mais típico das guerras que apareceriam apenas na Idade do Bronze.
Os esqueletos também exibem taxas elevadas de problemas ósseos e no esmalte dos dentes que sugerem problemas de nutrição. "Temos dados climáticos sobre a região na época, mas eles não indicam uma piora do clima", diz a pesquisadora espanhola. "Parece que, nesse caso, a violência pode estar relacionada a uma competição por recursos, devido à alta pressão demográfica [populações muito numerosas] e a elevada complexidade social observadas ali." Ou seja, é possível que grupos tenham se organizado para tentar tomar à força o controle desses recursos.
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