Lula assina MP para reduzir conta de luz e amplia pressão sobre tarifa no futuro
Governo prevê uma queda entre 3,5% e 5%
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta terça-feira (9) uma MP (medida provisória) com o objetivo de cortar as tarifas de luz no país. A iniciativa, porém, pode levar o consumidor a arcar com custo ainda maior no futuro.
O preço da energia, hoje, é uma das principais preocupações de Lula em meio à queda de popularidade identificada em pesquisas de opinião. A iniciativa foi lançada em cerimônia no Palácio do Planalto.
O texto permite a antecipação de recursos que seriam pagos no futuro pela Eletrobras, privatizada em 2022, à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que custeia subsídios a consumidores e geradores de energia.
A MP autoriza usar o dinheiro para baixar a conta de luz. O governo prevê uma queda entre 3,5% e 5%.
Apesar do alívio no curto prazo, a antecipação reduz o ingresso de recursos na CDE no futuro -o que, sem revisão no tamanho dos subsídios, gera pressão por reajustes mais salgados para bancar a fatura dos próximos anos. Por isso, a MP sofreu resistências dentro do governo.
Uma ala dentro do Executivo alertou que a medida pode representar politicamente um "tiro no pé" diante do risco de um aumento na conta de luz nos próximos anos.
Usar os recursos da antecipação da Eletrobras de forma espaçada, para suavizar reajustes tarifários que estão por vir, faria mais sentido na visão de parte dos técnicos e ajudaria a minimizar o impacto sobre a inflação, variável-chave para que o Banco Central continue a cortar a taxa de juros.
Representantes do setor afirmam que a MP, da forma como foi concebida, é o mesmo que pegar um empréstimo para pagar a fatura estourada do cartão de crédito. Lá na frente, a dívida precisará ser quitada com juros.
O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) reconheceu que será um desafio manter a tarifa mais baixa nos anos seguintes.
"É um desafio que nós não teremos trégua. Vocês [da imprensa] sempre demandando e nós sempre tentando dar respostas, buscando cada vez mais criatividade e vigor na busca de equilibrar", disse ele em entrevista, quando questionado sobre o risco de alta na conta de luz no futuro.
O MME (Ministério de Minas e Energia) afirma que são R$ 26 bilhões a serem securitizados. Desse total, R$ 11 bilhões vão quitar prestações de dois empréstimos feitos pelo setor elétrico em momentos de crise.
O primeiro deles é a Conta Covid (que cobriu perdas com a queda no consumo na pandemia), e o segundo, a Conta Escassez Hídrica (que bancou térmicas durante a seca de 2022). Sem a antecipação, esses pagamentos pesariam no bolso do consumidor.
"Vamos corrigir um erro grotesco do governo anterior. Alguém achou uma ótima ideia fazer negócios com juros elevadíssimos e jogar o boleto no colo dos brasileiros e das brasileiras mais pobres e da classe média, que são os consumidores regulados", afirmou Silveira na cerimônia.
À Folha de S.Paulo o ministro já havia responsabilizado a gestão Jair Bolsonaro (PL) pelos empréstimos. No evento, ao lado de Lula, reforçou as críticas.
"Mas eles não contavam que o presidente Lula seria novamente eleito pela nossa gente e chegamos aqui para corrigir mais esse erro do desgoverno anterior", disse ele, para quem os gestores anteriores não pensavam no povo, "mas somente em narrativas de rede social".
Em um segundo ponto, a MP também prorroga o prazo para que projetos de energias renováveis (eólica, solar e biomassa) ganhem desconto no uso do sistema de transmissão de energia.
O argumento do governo é que o prazo precisa ser ajustado ao cronograma de implantação das linhas de transmissão leiloadas pelo atual governo para o escoamento dessa energia até os centros de maior consumo.
De acordo com o ministério, a ação foi necessária porque o governo anterior não fez os leilões, o que estaria inviabilizando os investimentos estimados em R$ 165 bilhões, além de 400 mil empregos.
Técnicos do Executivo e especialistas do setor, porém, alertam que não há demanda para parte desses projetos, que, ainda por cima, estão longe dos grandes centros.
Por isso, se saírem do papel, vão exercer uma pressão adicional sobre a conta de luz. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o impacto pode ser de R$ 6 bilhões.
Em um terceiro ponto, a MP autoriza o uso de dinheiro originalmente destinado à redução de custos de geração em áreas da Amazônia Legal para a redução da tarifa de energia elétrica nas áreas beneficiadas por essas verbas.
O objetivo principal é resolver o problema do estado do Amapá, que teria um reajuste de 44% na conta de luz -até o momento suspenso. O artigo foi idealizado após um acordo entre Lula, Silveira e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Esse ponto da MP passou por negociações de última hora, conforme noticiou a Folha de S.Paulo.
Versão anterior do texto incluía também a possibilidade de redirecionar para a conta de luz os recursos carimbados para outras duas áreas de interesse dos parlamentares: a revitalização do rio São Francisco e da bacia hidrográfica na área de influência da usina de Furnas.
Segundo participantes das negociações, a autorização para redirecionar recursos desses investimentos regionais para a redução de tarifa desagradou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é mineiro e já atuou em defesa da preservação de verbas para a região de Furnas em outros momentos.
Ainda que os artigos fossem autorizativos, fazendo com que o uso do dinheiro dependesse de aprovação de comitês, Pacheco transmitiu aos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) a mensagem de que a MP seria mal recebida no Senado se permitisse a redução dos recursos carimbados para investimentos. O recado foi dado em reunião na segunda-feira (8).
Diante da insatisfação manifestada por Pacheco e com o objetivo de evitar a derrota em votações no Senado, o governo retirou os pontos que afetavam o São Francisco e Furnas e manteve só o trecho que beneficia o Amapá.
Em entrevista coletiva, Silveira disse a questão do Amapá é "um problema mais sério e premente" e que a autorização legal busca dar maior segurança jurídica ao redirecionamento dos recursos. Segundo ele, no entanto, há um entendimento da área jurídica do governo de que o MME já teria autonomia para redirecionar o dinheiro dos investimentos para abater a conta de luz "de forma administrativa" mesmo que o conteúdo não esteja na MP.
"A retirada dos outros dois fundos [do alcance da MP] não impede que isso seja autorizado no curto e médio prazo. O que espero é que a gente segure os subsídios e com o maior respeito ao Parlamento, debatendo e dialogando", afirmou.
Os investimentos nessas regiões foram uma exigência do Congresso Nacional para aprovar a privatização da Eletrobras em 2021, durante o governo Bolsonaro, e estão entre os "jabutis" incluídos na lei para ampliar sua aceitação política. Vem daí a sensibilidade de qualquer alteração nesses temas.
O investimento obrigatório a ser realizado pelas concessionárias de energia, segundo a lei aprovada pelo Congresso em 2021, é de R$ 3,5 bilhões para a bacia dos rios São Francisco e Parnaíba e de R$ 2,3 bilhões para a região de Furnas. Os valores serão pagos ao longo de dez anos e devem ser corrigidos pela inflação.
A Câmara também tem interesse na manutenção desses investimentos. A cúpula da Casa, no entanto, ainda manifesta resistência à MP. Deputados argumentam que, ao contrário de Pacheco, não foram procurados pelo governo para discutir o texto.
Além disso, o grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), costuma se posicionar contra alterações na legislação sobre a privatização da Eletrobras.
Esses parlamentares tomaram a linha de frente da aprovação da medida no governo Bolsonaro, atuando também na inclusão de dispositivos que atendem aos seus redutos políticos.
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