Resolvi Mudar! “Comecei como faxineira da escola e hoje sou professora”
Rosilene de Souza Silva conseguiu driblar o preconceito dentro de sua própria casa para conseguir estudar e fazer uma faculdade
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“A educação é um projeto para toda a vida. No Brasil, infelizmente, o acesso não é igualitário a todos. Quando jovem, estudar era o meu sonho, mas tive de fazer escolhas que me afastaram da sala de aula. Ao entrar no mercado de trabalho, contudo, eu comecei como faxineira da escola, me senti motivada a estudar e hoje sou professora.
Cresci em uma fazenda no interior de Aimorés, em Minas Gerais, chamada Coqueirinho, onde meu pai era o gerente. Lá, meus pais moraram 23 anos. Somos quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Eu sou a primogênita. Meus pais eram gerentes, cuidavam de tudo. Lugar maravilhoso."
"Minha história com a educação foi sempre de muita resistência. Estudei porque persisti muito para isso. Quando criança, estudei até o quarto ano do ensino fundamental. Naquela época, havia uma sala para todas as turmas e uma única professora para todos. Fora que andávamos mais de uma hora para chegar à escola.
Sempre fui estudiosa, com boas notas, e tinha um sonho: me tornar professora. Meu maior motivo é sempre ter gostado de crianças! Amo ensinar e cuidar. Faço com muito amor e dedicação.
Adolescente, eu comecei a namorar, mas meu pai era rígido e fez eu escolher entre estudar ou namorar. Eu não queria continuar morando na roça e, por isso, escolhi ir com o meu namorado para a cidade."
Mudança
"Eu era nova e tinha sonhos que não seria capaz de realizar se continuasse na roça. No relacionamento, contudo, eu era impedida de estudar. Não caminhávamos na mesma sintonia, com os mesmos sonhos e planos. Ele não me deixava trabalhar fora e nem estudar. Não sei o que se passava na cabeça dele, mas ficamos 22 anos juntos. Depois, não tinha mais amor.
A mudança na minha vida começou após um amigo, pastor Tiago Nascimento, ver um recado que deixei na porta da geladeira da sala dos professores da escola em que eu trabalhava. Ele mesmo fez a minha matrícula e me incentivou a retornar à sala de aula.
Em uma mesma escola, eu fiquei sete anos como estudante, voltei como estagiária e, depois, como professora. Enfrentei uma guerra com meu ex-marido. Ele não acreditava que eu iria conseguir terminar os estudos e continuar até a faculdade.
Sofri muitos preconceitos. As pessoas, até mesmo os familiares, falavam ‘para que uma mulher velha está inventando moda? Deixa para os filhos’.
Minha rotina era muito corrida: filhos pequenos, casa, trabalho e estudo. Minha inspiração foram algumas pessoas que eu observava e pensava: ‘se algum dia eu chegar a ser professora, quero trabalhar igual a ela’.
Minha vida mudou completamente após a faculdade. Minha mente se abriu ao mundo, minha visão de vida é outra e até mesmo meus comportamentos mudaram."
Planos
"No Brasil, ser professor é complicado. Não somos valorizados e nos deixam sem autonomia de realizar nosso papel de educar. Hoje, sou professora especializada em Educação Especial e costumo dizer que não fui eu que escolhi a profissão: meus alunos me escolheram.
Quando alguém me diz que gostaria de voltar a estudar, eu não penso duas vezes ao dizer: ‘Volte! É a melhor coisa que você pode fazer por si mesmo'. Muitos me disseram que eu fui a inspiração de transformação de vida. Minha filha, por exemplo, decidiu seguir meus passos e, hoje, faz Pedagogia.
Nos próximos anos, eu quero me dedicar ainda mais à profissão, aos projetos com meus alunos, e à minha segunda faculdade, desta vez, de Psicologia. Como psicóloga, eu desejo ampliar minha atuação.
Vejo a dificuldade dos pais dos alunos em garantir o acesso ao acompanhamento psicológico. E eu quero fazer algo para facilitar esse acesso.
Tenho objetivos e, se Deus quiser, irei alcançá-los. Esse é só o início das grandes mudanças na minha vida!”.
Perfil
Rosilene de Souza Silva, de 47 anos, é professora especializada em Educação Especial e estudante de Psicologia. Aos 18 anos, ela havia estudado até o 6º ano e se casou. O ex-marido, no entanto, não a deixava estudar.
Em 2010, ao se tornar auxiliar de serviços gerais de uma escola, decidiu voltar a estudar, concluiu o ensino médio e, em 2017, se formou em Pedagogia.
O que dizem os especialistas
“Desenvolvimento emocional é vital para as mulheres”
“Mulheres serem proibidas ou desestimuladas em desenvolver uma profissão através dos estudos é um legado da sociedade machista. A mulher, quando começa a resgatar sua identidade e se desvencilhar desse machismo e deixar suas amarras patriarcais, começa a desejar estudar e desenvolver-se.
Ela se empodera e projeta seus sonhos a partir de si mesma, e não a partir do que o machismo lhe atribui. Nasce, assim, um ser revigorado, uma cidadã com desejos e ações próprias.
O desenvolvimento emocional é vital para as mulheres que conseguem se desvencilhar desse machismo. Pela educação, vão forjar novos sonhos e novas perspectivas. Esta é, sem dúvida, uma atitude que liberta e faz crescer.”
“A educação atua diretamente na promoção da igualdade”
“A educação é o meio mais legítimo, ético e seguro de desenvolvimento pessoal e profissional. Por meio dela, habilidades são aperfeiçoadas, visões de mundo são descobertas, soluções de problemas são amplificadas, relações sociais são criadas, culturas e sociedades são renovadas.
Assim, a educação não somente transforma microrrealidades, conferindo ao indivíduo acesso a mais escolhas, controle sobre a própria vida, independência, melhora da qualidade de vida, da saúde e dos relacionamentos, prospecção de futuro e possibilidade de intervenção no mundo, como também atua diretamente na promoção da igualdade, do desenvolvimento econômico e social."
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