Lúcio Pereira: “Fui motorista e confidente de 2 governadores”
Ex-motorista de Jones dos Santos Neves e Carlos Lindenberg garante que o que ouviu nunca será dito
Escute essa reportagem
“Quando somos novos, às vezes não entendemos a imprevisibilidade da vida. Embora eu tivesse dificuldade em entender, sempre acreditei que o respeito e o trabalho formam o caminho para a felicidade. Tive uma infância muito difícil, comecei a trabalhar com 11 anos e depois vivi algo que nunca imaginaria: fui confidente de dois governadores do Espírito Santo quando era motorista.
Nasci em Nova Venécia e não conheci minha mãe e nem meu pai biológico. Meu pai desapareceu e minha mãe me largou. Fui encontrado por uma família que me criou, me educou e me ensinou muito sobre a vida.
Leia mais sobre Cidades: O que eu vi e vivi
Naquela época, década de 30 e de 40, não era incomum encontrar crianças e adolescentes que já trabalhavam e, por isso, deixavam de estudar. Era um problema nacional.
As experiências precoces de trabalho me retiraram o estudo e parte da infância, mas não deixei que me definissem por toda a vida. Tenho histórias e histórias para contar porque eu nunca estive parado e desacreditado no mundo.
Do menino pobre de Nova Venécia, que cresceu em parte da infância em São Mateus, eu vim para Vitória e vivi alguns dos momentos históricos mais marcantes da capital."
Governadores
"Nunca imaginei que eu conviveria com pessoas tão importantes. Trabalhei com os governadores Jones dos Santos Neves e Carlos Lindenberg. Lembro-me que era um momento de muito crescimento para Vitória e, em geral, para o Espírito Santo. Foram as primeiras vezes que trabalhei com horário, com contrato e tudo legalmente correto.
Embora novo, eu sempre soube da ética do meu trabalho: quando os governadores estavam nos assentos de passageiros, eu não me envolvia em qualquer assunto que pudesse ser tratado. Vez ou outra, eles conversavam, contavam histórias e até mesmo segredos.
Eu sabia que meu trabalho envolveria lidar com informações sensíveis. Para ser honesto, eu nunca havia sido tão bem tratado na minha vida. Estive disponível para qualquer imprevisto durante as semanas de trabalho, era sempre cordial e, no fim, ouvia de outros sobre como minha postura era admirada. Muito do que eu ouvi e sei nunca será dito."
Basílica de Vitória
"Muitas das grandes transformações de Vitória atravessam a minha vida. Eu fui o tratorista responsável por nivelar o terreno para a construção do Santuário-Basílica de Santo Antônio e, além disso, fui funcionário da obra de aterro da nossa capital.
De lá para cá, tanta coisa mudou. A cidade cresceu e atrai pessoas de todo o País, por exemplo. Está cada vez mais bonita. Assim que eu cheguei a Vila Velha, não havia nenhuma casa na minha rua. Fui o primeiro morador de Jardim Colorado."
Pandemia
"No bairro, tenho grandes amigos e, antes da pandemia, costumava visitá-los todos os dias. Íamos aos bares, passeávamos na praça e trocávamos conversas nas esquinas. A covid-19, por muito tempo, me tirou esse estilo de vida. Nunca vivi algo como a pandemia e por isso não tive dúvidas: quando surgiu a vacina, fui um dos primeiros do Estado a tomar.
O medo tomou conta daquele momento histórico. A covid-19 era uma doença desconhecida e altamente letal. Quando me diziam que eu 'era corajoso por tomar essa vacina', eu não hesitava em defendê-la. Tanto que, hoje, pudemos voltar a viver."
95 anos
"Em janeiro, vou completar os 95 anos de idade. Acho que tenho vivências suficientes para concluir algumas descobertas da vida. Quando andamos direito, construímos algo que nos orgulhamos. Tenho sete filhos, 25 netos, 33 bisnetos e quatro trinetos.
Nunca encostei um dedo nos meus filhos, sempre busquei ensinar bons valores, e, modéstia à parte, acho que cumpri o meu papel como pai.
Formar uma família, construir uma vida pelo trabalho, respeitar o próximo e manter o mesmo desejo por viver são conquistas que me orgulho. Hoje, aos 95 anos, eu voltei a fazer minhas caminhadas pelo bairro e até mesmo passei a fazer fisioterapia.
Pelas manhãs, leio o jornal A Tribuna todos os dias. É o jornal que fala a língua do povo, que cobra soluções e que me informa. Me sinto renovado, feliz pela vida que construí e pronto para aprender mais sobre o mundo."
Perfil
Com o aniversário de 95 anos se aproximando, celebrado no início da janeiro, o aposentado Lúcio Pereira é ex-tratorista e ex-motorista dos governadores Jones dos Santos Neves e Carlos Lindenberg.
Ao longo dos anos dedicados a os governadores, o aposentado era elogiado pela forma ética com a qual exercia sua função e, por isso, muitas vezes foi confidente dos governadores.
Comentários