“No meio do trânsito, decidi que queria ter mais paz”, diz ator
Foi no engarrafamento em São Paulo que Paulo Coelho, após 30 anos como corretor, decidiu virar ator profissional com ajuda da namorada
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“Acredito que nunca é tarde para mudar de vida. Eu penso que muita gente nasce e não sabe para que nasceu, vive sem saber porquê está vivendo e morre sem saber porquê morreu. A coisa mais importante para o ser humano é ser feliz.
Por 30 anos, fui corretor de imóveis, mas me apaixonei pelo teatro e passei a trabalhar com essa área. Foi desafiador, mas estou muito mais alegre e realizado.
Trabalho antigo
Criei quatro filhas do meu primeiro casamento, como corretor de imóveis. É uma profissão por si só difícil, porque você não tem salário e depende de comissão. Mas eu me realizava com ela ao trabalhar de uma maneira bastante correta, sempre atendendo bem os meus clientes. Só que 30 anos é muito tempo.
Eu tive uma imobiliária própria em Santos (São Paulo). Na época, estava com problemas no meu casamento por estar depressivo. Na tentativa de salvar a relação com minha ex-esposa, me mudei para São Paulo com a família, mas não deu certo e acabei indo morar em uma edícula (uma casa pequena, localizada no fundo de um terreno) de meu irmão mais novo.
Com um mês morando ali, uma das filhas me levou um pedaço de papel com 11 tópicos da depressão, e eu tinha todos eles em alto grau. Foi aí que percebi que estava muito doente, sendo uma época extremamente difícil para mim.
No entanto, ao me conscientizar do que eu tinha, passei a tomar medidas para melhorar. Comecei a fazer atividade física, a meditar e fui muito ajudado por outras pessoas conseguindo sair daquele quadro preocupante.
Questionamento
Depois que eu me separei, fiquei três anos cuidando de mim, superando essa doença, e quando comecei a me sentir melhor, iniciei, em 2005, o namoro com uma moça, uma atriz que foi estudar direção em São Paulo. Vanessa Frisso tinha 30 anos na época e eu, 40.
No nosso namoro, ela me falou que queria montar uma escola na cidade dela, que é Vitória, e eu passei a ir para o Espírito Santo em todas as minhas férias. Nessa convivência com ela, comecei a assistir a todas as peças de teatro possíveis e ela também me colocou em uma peça, cantando nove músicas do Renato Russo, e me senti um Beatles. Foi demais!
Eu trabalhava muito, então ensaiava as músicas dentro do carro. Era uma peça onde eu cantava com uma banda e não atuava. Foi minha primeira experiência nos palcos, no ano de 2006.
Um dia, no meio de um congestionamento no trânsito, decidi que queria mais paz. Eu estava há duas horas na Avenida dos Bandeirantes, tinha percorrido dois quilômetros e me veio um pensamento: 'Eu não quero morrer aqui nessa cidade esperando cliente'.
O ramo de corretor de imóveis pode ter me dado um bom dinheiro, mas a pressão era insuportável, a diretoria exigia demais. É um mercado muito agressivo e existiam situações que me deixavam chateado. Situações de injustiça que me doíam.
Eu recebi uma oferta para trabalhar em Joinville (SC), mas não me adaptei à cidade. Depois recebi uma proposta para atuar em Sorocaba (SP) e fui para lá, onde fiquei por cinco anos. Aluguei uma casa bonita e grande, saía do trabalho às 18h, sendo que em São Paulo costumava chegar em casa às 22h, 23h, 23h30 para acordar às 5h30.
Mudança
Vanessa fazia sucesso em São Paulo, estudava bastante. Ela conversou com uma amiga e esta falou: 'Se gosta dele, vai com ele'. E assim ficou comigo em Sorocaba. No primeiro ano, enquanto trabalhava como corretor, eu a levava para a Escola de Teatro Mario Persico e comecei a vê-la dar aula. Fiquei encantado e comecei a fazer teatro sem nenhuma pretensão de me tornar ator, mas sim para a gente ficar junto e eu me divertir.
Com o passar do tempo, tomava cada vez mais gosto, mais encanto por essa arte. Participei de filmes, fazendo tudo por diversão, e a verdade é que minha vida tinha mudado completamente para a melhor. E Vanessa é imensamente responsável pela minha formação, ela foi generosa demais comigo.
Ao me formar no curso, aos 53 anos, já estava um pouco insatisfeito pela mudança de qualidade de vida em Sorocaba. Afinal, eu ganhava menos porque a imobiliária era de médio porte, então falei para Vanessa: 'Vamos para Vitória para realizar o seu sonho'. E na capital, a gente montou a Escola de Atores de Vitória, em 2017.
É uma luta, pois trabalhamos demais, mas sou muito mais feliz hoje porque a gente trabalha com seres humanos, e os vemos evoluir, ficando mais contentes assim como eu fiquei quando comecei a me envolver com o teatro.
A escola já ganhou muitos prêmios em festivais de direção, ator, atriz, cenário, figurino, produção e em 2023, no primeiro festival competitivo que participei, o Festival de Teatro de Guaçuí, ganhei o prêmio de Melhor Ator. Foi significativo para mim porque o artista gosta do aplauso e também do reconhecimento.
A escola consome muito tempo, mas já está saudável e estamos automatizando algumas coisas. Agora, quero cuidar um pouquinho mais da minha carreira como ator, que está só começando.
Andava de terno, gravata, caneta Montblanc, camisa encomendada, e hoje eu só ando de roupa de professor, bermuda, camiseta e só coloco terno se o personagem pedir. A sensação é de estar vivo. Tive que ter muita coragem para mudar, mas valeu a pena”.
Depoimento à repórter Daniela Esperandio.
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