Menor tempo de sono vira epidemia e já é causa de depressão
Especialistas alertam que a privação do sono tem afetado crianças e até idosos, o que pode comprometer o equilíbrio emocional
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Você é daquelas pessoas que se preocupam em saber se vai dormir mais de sete horas por noite ou sequer faz as contas de quantas horas dorme? Gastar o tempo de dormir com celular, TV, jogos eletrônicos e até trabalho já é uma realidade no Brasil.
Só que esses hábitos estão provocando uma pandemia de privação de sono, segundo especialistas, podendo levar a casos de depressão.
Segundo o médico psiquiatra com atuação em Medicina do Sono Almir Tavares, coordenador do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), privação de sono é diferente de insônia.
O assunto foi um dos temas debatidos no 40º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Salvador, na Bahia, onde a reportagem de A Tribuna esteve presente a convite da ABP.
“Na insônia a pessoa tem a oportunidade de dormir, ela alocou um terço do dia dela, ou seja, oito horas, para dormir, mas deita e não dorme. Porém, na privação de sono é diferente, a pessoa não planeja dormir oito horas, ela reduz o sono para as olhar redes sociais, assistir a filmes, jogar, usa a cama para telefonar, trabalhar ou comprar coisas. Isso na sociedade atual, hiperconectada, tem virado uma exigência”, alerta o médico.
O especialista aponta que até mesmo crianças e adolescentes têm sido afetados pela privação de sono. “Os adolescentes são afetados violentamente. Na puberdade já existe uma tendência para dormir tarde, e eles acabam indo dormir ainda mais tarde. É importante que os pais prestem atenção nesse problema de horário”.
Pessoas privadas de sono ou com insônia têm um processamento emocional deficiente, de acordo com o médico do Sono e psiquiatra Márcio Zanini.
O médico destaca ainda que no caso de insônia, há associação com o risco de depressão. “Uma metanálise avaliou 34 estudos de corte, compreendendo um total de 172 mil pessoas ao longo de 60 meses e foi encontrada uma relação entre insônia e depressão. Pessoas com insônia têm duas vezes mais risco de desenvolver depressão”.
Exercício reduz em até 65% risco da doença
A prática de atividades físicas é aliada para a saúde de todo o corpo, de acordo com especialistas da saúde. Os benefícios dos exercícios físicos também são percebidos na saúde mental: estudo aponta que movimentar o corpo pode reduzir em até 65% o risco de desenvolver depressão na terceira idade.
No estudo feito com 4.323 idosos, durante quatro anos, e apresentado pelo médico psiquiatra e psicogeriatra Ricardo Barcelos durante o 40º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, há confirmação de estudos anteriores mostrando a relação dos benefícios das atividades físicas para a saúde mental.
“Esse estudo confirma os anteriores que já mostravam essa relação entre a atividade física e a liberação de endorfina, noradrenalina e serotonina, que são neurotransmissores que agem no cérebro, diminuindo sintomas negativos da depressão”, explica.
O médico destaca que os benefícios das atividades físicas também são válidos para os idosos que não se exercitavam antes mesmo de entrarem na terceira idade.
“Há o mesmo benefício, desde que sejam feitos exercícios regulares, de 150 minutos por semana. Os exercícios cardiorrespiratórios são os mais indicados, mas também pode ser feita musculação, a depender do idoso, sempre associado a um exercício aeróbico”, orienta o médico.
A psiquiatra e psicogeriatra Maria Benedita Barbosa Reis ressalta que os idosos também precisam se alimentar bem, o que não significar comer alimentos caros.
“O idoso precisa fazer algo que goste, pode ser lazer, plantar flores ou até cuidar de crianças. Um idoso que cuida de um neto ou o leva para escola ou o recebe, ele se sente responsável. Falar para o idoso não fazer nada não é saudável”, alerta a médica.
Médicos alertam que 27% podem ter diagnóstico após os 60 anos
O risco de desenvolver depressão após os 60 anos pode chegar a 27%, segundo apontam estudos apresentados no 40º Congresso Brasileiro de Psiquiatria.
Considerando a população do Espírito Santo com esta faixa etária, que corresponde a 624 mil idosos, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 168 mil idosos apresentam a doença.
“Um grande carro-chefe para os casos de depressão nessa faixa etária é a alta percepção negativa que os pacientes têm do envelhecimento. É a dificuldade de lidar com a perda da independência, o paciente começa a depender mais do outro, a ter dificuldade de fazer atividades, fica mais isolado socialmente, às vezes não tem suporte familiar e se sente deixado de lado”, observa o médico psiquiatra e psicogeriatra Ricardo Barcelos.
A doença pode levar ao suicídio, aponta a psiquiatra e psicogeriatra Maria Benedita Barbosa Reis, do Estado, que durante o congresso apresentou uma palestra sobre o assunto.
Somente no Espírito Santo, de 1º de janeiro de 2006 até 31 de dezembro de 2019, 344 idosos tiraram a própria vida, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
“Este número pode estar subestimado, já que os dados não estão preenchidos de forma adequada, uma vez que muitos casos podem ser classificados como acidentes e não suicídios”, analisa a médica.
Segundo a psiquiatra, durante o levantamento da pesquisa para seu mestrado foi percebido um predomínio de casos de suicídios em idosos jovens.
“São idosos com idade entre 60 e 75 anos. É justamente um período onde o idoso está forte, raciocinando, mas está entrando em contato com a fragilidade de ser velho. Para evitar, os serviços de saúde precisam estar minimamente preparados para cuidar da saúde mental dos idosos e perguntar sobre pensamentos suicidas. Perguntar não abre portas para o ato, mas uma janela de confiança para o idoso falar”.
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