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Cidades

“Cada um reage de forma diferente à dor do racismo”, diz advogado

Ex-secretário de Justiça do estado de São Paulo diz que o sofrimento do preconceito o levou aos caminhos do Direito


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Imagem ilustrativa da imagem “Cada um reage de forma diferente à dor do racismo”, diz advogado
Hédio Silva Júnior foi o primeiro advogado negro a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal |  Foto: Aquiles Brum

Advogado, mestre em Direito Processual Penal e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, Hédio Silva Júnior, 62 anos, contou em entrevista no Estúdio Tribunaonline que sua primeira lembrança de sofrer com o racismo remonta aos 4 anos.

Explicando que a história de cada pessoa deve ser respeitada, ele, que foi servente de pedreiro até os 15 anos e é ex-secretário de Justiça do estado de São Paulo, afirma que o sofrimento do preconceito o levou para os caminhos de hoje. “Cada um reage de forma muito diferente à experiência dolorosa do racismo”.

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Hédio foi o primeiro advogado negro a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), na defesa das cotas raciais e, em outra ocasião, na mesma Corte, defendeu o direito ao pleno exercício das religiões de matriz africana ao sacrifício de animais para fins de rituais religiosos.

A Tribuna – O senhor gostaria de falar um pouco sobre a sua trajetória?

Hédio Silva Júnior Sou mineiro. Fui peão de obra até meus 15 anos. Passei por uma experiência traumática de racismo em sala de aula, que me projetou para o movimento negro. Cada um reage de forma muito diferente à experiência dolorosa do racismo. No meu caso, a reação foi a militância, o engajamento e a leitura.

Fui para o Direito, na graduação, mestrado e doutorado. Fui o primeiro preto de religião de matriz africana secretário de Justiça do estado de São Paulo. E me orgulho de, nos últimos 30 anos, ter desenvolvido no meu escritório uma advocacia em defesa das vítimas de racismo e racismo religioso. Eu sou um produto do povo preto, dos meus ancestrais, do movimento negro brasileiro.

Como o senhor entendeu que tinha sido vítima de racismo e que queria ser diferença?

Eu havia sido preparado. Minha mãe era branca e uma das maiores dores dela era as pessoas duvidarem que eu e meu irmão éramos filhos dela. Na hora ela não reagia, mas em casa chorava. Eu tinha uns 3 ou 4 anos.

O fato de minha mãe pautar isso com a gente, eu não tinha dúvida que era um ato de violência resultante do racismo.

O que significou para o senhor ser o primeiro advogado negro a fazer as sustentações orais no STF?

Nós, povo preto nas Américas, somos 10 milhões de pessoas sequestradas para erguer, ao longo de três séculos, o novo mundo.

Então, a distância que me separava ali, daqueles ministros, era de 500 anos. Esses cinco séculos entre o advogado e os ministros são de muita dor, mas também de afirmação, de dignidade e resistência. É uma história muito bonita. Eu me sinto parte desse elo.

Por que a periferia ainda é tão marginalizada?

Há um desvalor da vida do corpo negro. O Oscar Vilhena Vieira, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito-SP), escreveu um artigo na Folha de São Paulo (25/08/2023), em que diz que um milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil, a maioria negra. É 1/6 do holocausto judeu, que estima-se seis milhões de pessoas.

Boa parte é letalidade policial. As pessoas hoje estão falando essa história de racismo estrutural, isso é um crime, porque quando o policial aperta o gatilho, ele está autorizado pela sociedade. E isso está “incorporado à paisagem”.

O racismo, a ideologia, o Estado pretendem nos destituir da nossa humanidade. Então, não se pode atribuir o racismo a uma estrutura, isso é um crime. Alguém tem que ser responsabilizado.

Dificilmente há prisões por racismo no Brasil. Por quê?

Temos uma série de problemas. São poucos os crimes referidos na Constituição Federal, um deles é o racismo. Não significa que a lei penal seja o único instrumento legal de enfrentamento do problema. O povo preto no mundo inteiro é a maior prova que a prisão é discutível como método de solução de conflito.

Qual é o principal problema quando o assunto é a “porta de entrada do sistema penal” em se tratando de racismo?

A CPI da Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro identificou 5 mil boletins de ocorrência. Eu até costumo dizer o seguinte: “Esse negócio de bo, dá bo”.

Desses 5 mil, não se sabe quantos resultaram em inquérito, quantos foram relatados ou deram base à denúncia, se foi aceita, se houve condenação, não se sabe. O resultado imediato é o descrédito da população na lei.

Qual a alternativa ao boletim de ocorrência?

É um relato de crime que a lei chama notícia-crime, que qualquer pessoa pode fazer. Faz o relato e, a partir daí, você passa a controlar a resposta que o sistema vai dar àquela violação de direitos.

Onde é possível registrar a notícia-crime?

Na delegacia de polícia e no Ministério Público, obrigatoriamente. Digo e repito, qualquer pessoa pode fazer, mas é recomendável que um advogado faça, pois o advogado foi treinado para isso.

Agora, há situações em que você obrigatoriamente tem que acionar a polícia, se você foi agredido.

Assista aqui a entrevista completa no Estúdio Tribuna Online

Quem é 

  • Nome: Hédio Silva Júnior.
  • Nasceu em Três Corações (MG).
  • Mora em São Paulo.
  • Formação: Mestre em Direito Processual Penal e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.
  • Profissão: Advogado e ex-secretário da Justiça de São Paulo. Fundador e presidente do Instituto de Defesa do Direito das Religiões Afro-brasileiras (Idafro).
  • Coautor do recém-lançado e-book “Responsabilidade Civil Objetiva por Ilícito Racial e Religioso”.

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