Pix de 1 centavo é usado para ameaças e assédio sexual
Pagamento instantâneo via aplicativo tem sido utilizado para cometer crimes, como quebrar medidas protetivas e assédio às mulheres
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Criado em 2020 pelo Banco Central, o Pix tem sido usado para outras funções, além das financeiras. Uma delas é para se comunicar com outras pessoas e cometer crimes, como quebrar medidas protetivas, ameaças e assédio sexual.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o uso do Pix de 1 centavo para praticar crimes, como ameaças e assédio sexual, tem se tornado mais comum no País e há caso registrado no Estado do uso de plataforma bancária para quebrar medida protetiva.
A delegada Andréa Teixeira Magalhães, da Central de Teleflagrantes, atendeu a um caso, em Vitória. A vítima, uma mulher que tem por volta de 40 anos, tinha medida protetiva contra seu agressor, de aproximadamente 50 anos.
“Ele estava proibido de manter qualquer tipo de contato com a vítima. Então, enviava mensagens pela plataforma, dizendo: 'Me desbloqueia' e 'Quero falar com você'”, conta a delegada.
Andréa explica que, neste caso, as mensagens não foram suficientes para que a vítima procurasse a delegacia, em um primeiro momento, para fazer a comunicação de quebra de medida protetiva.
“Ela procurou a polícia quando o ex-companheiro a perseguiu. Somente no depoimento é que a vítima contou que, mesmo bloqueado nas redes sociais e aplicativos de conversa, ele enviou as mensagens pela plataforma bancária”, conta a delegada. Por isso, ela acredita que há a possibilidade de haver casos não registrados. A delegada contou que o acusado foi preso.
A coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, juíza Hermínia Maria Azoury, destaca que qualquer descumprimento de medida protetiva cabe prisão. “Até um print (captura de imagem da tela) do WhatsApp, da plataforma bancária, foto do agressor entrando no local onde está a vítima, ou próximo, caracteriza a quebra da medida protetiva”.
A juíza destaca que a lei já prevê a proibição do contato do agressor com a vítima por “qualquer meio eletrônico”, o que, segundo a magistrada, já inclui o Pix.
Mais de 35,3 milhões de Pix de um centavo feitos em 2023
No ano passado, o número de vezes que foram feitos Pix de um centavo no Brasil chegou a 35,3 milhões. Em 2022 foram 24,6 milhões de operações. O aumento de 2023 em relação a 2022 é de 31%. Os dados foram fornecidos pela assessoria de imprensa do Banco Central à reportagem.
O especialista em Segurança da Informação e professor da UCL João Paulo Machado Chamon observa que, na maioria das redes sociais, é possível bloquear um usuário quando não deseja comunicar com ele, ao contrário do Pix.
“O Pix não foi pensado para isso, mas se tornou um meio de comunicação. Se um casal termina o relacionamento e uma das partes bloqueia a outra em todas as redes, mas o outro tem a chave Pix, e resolve se comunicar, ela vai”.
Segundo o especialista, outras possibilidades para o uso do Pix de um centavo são para confirmação de identidade para participar de grupo de WhatsApp e plataformas de jogos. “É para validação. Se você é quem diz que é”, conta.
“Para a polícia, é fácil descobrir”, diz delegado
Por se tratar de aplicativo bancário e conta bancária, praticar crimes por mensagens de Pix, como quebrar medida protetiva, seria mais “reservado” do que nos aplicativos comuns de mensagens?
O delegado superintendente da Região Norte, Fabrício Dutra, diz que não. “Em tese é difícil, mas para a polícia é fácil descobrir. É um método ainda que ninguém está monitorando. É provado com uma simples consulta financeira, mas depende de autorização judicial. Não tem proteção de criptografia, ou seja, é frágil”.
Fabrício Dutra observa que os clientes de bancos usam o Pix para trocar conversas, desde o início, em 2020. Ele destaca que crimes por mensagem de Pix, à medida em que forem denunciados e os acusados forem sendo presos, tendem a ficar visados e a deixar de ser uma prática.
O especialista em Segurança da Informação e professor da UCL, João Paulo Machado Chamon, destaca que, geralmente, o Pix é o CPF ou telefone da outra vítima.
“Teria que mudar as regras do Pix por exemplo, aumentando o valor mínimo de envio, ou, limitando a quantidade de Pix de R$ 0,01 por dia ou por semana”.
O especialista destaca ainda a dificuldade de se alterar as regras para o sistema, uma vez que tais mudanças devem ser feitas pelo Banco Central e valer para todo o sistema bancário do Brasil e para todos os clientes. “A maioria que usa é porque realmente está bloqueado nas redes sociais”.
Opiniões
"A vítima contou que ele enviou mensagens pela plataforma bancária."- Andréa Teixeira Magalhães, delegada da Central de Teleflagrantes.
"É provado com simples consulta financeira, mas depende de autorização judicial." - Fabrício Dutra, delegado superintendente da Região Norte.
Análise
“Não há na legislação brasileira um tipo penal específico para as ações perpetradas utilizando o Pix. Contudo, a vítima pode e deve procurar a Polícia Civil para registrar casos em que há ofensa à integridade física ou importunação sexual.
Há também os casos em que o agressor está impedido de se aproximar ou manter contato com a vítima por qualquer meio. A polícia já registra situações em que o autor utiliza o Pix para entrar em contato com a vítima e realizar a intimidação de alguma forma. Nesses casos, a Polícia Civil também deve ser acionada.
Há movimentos no sentido de que o Banco Central coloque valor mínimo para as transações e que, em tese, evitaria ou diminuiria as situações." - Thiago Andrade, Mestre em Segurança Pública.
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