Homem negro diz que tio branco tem 'cabeça de europeu escravagista' e é denunciado
Frase foi dita durante uma discussão em um grupo de WhatsApp da família
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Uma discussão em um grupo de WhatsApp da família sobre a partilha de um terreno foi parar na Justiça após o Ministério Público de Alagoas decidir denunciar por injúria racial um dos parentes envolvidos na contenda. A denúncia desagradou a comunidade negra e arrastou para o debate um grupo de renomados advogados, pois a suposta vítima é branca e o denunciado é negro.
A acusação de injúria racional foi feita contra o estudante negro Ítalo Tadeu de Souza Silva, 36. A Promotoria decidiu denunciá-lo ao considerar crime racial o fato de Silva ter dito, no grupo de mensagem, que um tio branco, o italiano Antonio Pirrone, 63, tem "cabeça de europeu branco escravagista".
A Justiça concordou com os argumentos do Ministério Público e aceitou a ação.
O confronto entre os parentes ocorreu em julho do ano passado. Pirrone decidiu registrar um boletim de ocorrência e, em setembro, uma advogada apresentou à Justiça os motivos que o levaram à queixa.
"O querelante [Pirrone] recebeu um texto digitado e enviado pelo querelado, senhor Ítalo, através do aplicativo WhatsApp, ofendendo sua honra subjetiva, causando-lhe constrangimento, humilhação, vergonha e medo ao chamá-lo de ‘essa cabeça europeia branca escravagista não te deixa enxergar nada além de você mesmo’’’, diz trecho da mensagem anexada ao processo.
Em 5 de janeiro deste ano, a denúncia foi oferecida pela promotora Hylza Paiva Torres De Castro. Seis dias depois, a acusação foi aceita pelo juiz Mauro Baldini, da 1ª Vara de Coruripe, para quem todas as condições para o recebimento da denúncia estavam presentes.
"As condições da ação penal encontram-se presentes e o artigo 41 do CPP [Código de Processo Penal] foi observado satisfatoriamente pelo órgão ministerial, de forma que não vislumbro motivos para o não recebimento da peça inaugural ofertada pelo Ministério Público", diz trecho da decisão do magistrado.
Os advogados do Instituto do Negro de Alagoas entraram com um habeas corpus para tentar barrar a ação. O Tribunal de Justiça de Alagoas negou o pedido e mandou o processo seguir em frente.
O defensores recorreram, então, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde a matéria chamou a atenção de advogados do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), que decidiram pedir para integrarem a ação como amicus curiae –termo em latim que indica quem pretende ajudar a fornecer subsídios ao Judiciário para melhor decisão.
Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCcrim, disse que a tese defendida pelo Ministério Público alagoano preocupa por levantar o dito racismo reverso. "A grande preocupação que fez com que o Instituto entrasse como amigos da corte foi essa tese, uma tese perversa. [...] O fundamento de uma política antirracista, ou o fundamento de uma política que leva em conta a injúria racial, é proteger grupos vulneráveis. Grupos vulneráveis são, por excelência no Brasil, os negros", disse.
Para ele, esse caso, em específico, até poderia ser tratado como injúria, mas uma injúria simples, de caráter privativo, e não racial, que é muito mais grave. "É tão mais grave você xingar esses grupos vulnerabilizados, que a ação penal não é privada, é pública. Só que essa gravidade é o oposto do que está sendo dito ali", disse o advogado.
Enquanto observa o andamento da ação, Ítalo diz que "vai levando, tentando não desanimar". Seu advogado, Pedro Gomes, diz que o caso é "esdrúxulo e extremamente preocupante".
Gomes é membro do núcleo de justiça racial do Instituto do Negro de Alagoas e assumiu a defesa pela possibilidade do processo criar um precedente "muito perigoso".
O advogado acredita que os eventos serão melhor avaliados no STJ e encerrados por lá. "Não há, dentro do direito brasileiro, a possibilidade do acolhimento de uma tese de racismo reverso."
A Defensoria Pública da União concorda com Gomes. Em nota, a entidade aponta a necessidade de que as normas que identificam e criminalizam o racismo recebam interpretação histórica, não podendo ser entendidas e aplicadas de forma literal.
Procurado, o Ministério Público de Alagoas não comentou o assunto.
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