'Até que a morte nos separe' ainda é preferência ante 'seja eterno enquanto dure'
Dados do Registro Civil divulgados em março pelo IBGE mostram que o Brasil teve cerca de 2,3 vezes mais casamentos que divórcios em 2022
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O agricultor José Rubini, 86, e a dona de casa Rosa Davi Rubini, 82, completam 64 anos de casamento em julho. Com todas as datas do relacionamento na ponta da língua, eles sabem que namoraram apenas de 15 de abril a 23 de julho de 1960. Quando disseram "sim" ao matrimônio, ele tinha 22 anos, e ela, 18.
A ideia de encontrar um único amor para toda vida ainda faz parte do imaginário popular. Mesmo com alta recorde de divórcios, a famosa frase "até que a morte os separe" ainda ganha os brasileiros, segundo especialistas.
Dados do Registro Civil divulgados em março pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que o Brasil teve cerca de 2,3 vezes mais casamentos que divórcios -foram 970 mil uniões ante 420 mil separações em 2022.
Há 12 anos, eram 977 mil casamentos para 239 mil divórcios. Ou seja, ao passo que os casais se separam mais hoje em dia, a tendência de dizer "sim" no altar ainda não mudou.
Novas questões, como divórcio extrajudicial (que desburocratiza trâmites da separação consensual) e longevidade de um lado, e casamento grisalho e legalização da união homoafetiva de outro, são fatores que interferem nessa balança, segundo especialistas.
As bodas de diamante dos Rubini foram celebradas em 2020, na mesma igreja em que se batizaram e casaram, mostrando que constância é um forte na família.
A receita que garante o casal é a soma de companheirismo e conversa para estabelecer acordos. "Tem hora que, às vezes, a gente se desentende, mas é aquela coisa passageira", diz ele. "Tudo que decidimos os dois estão de acordo. Ela não é só minha esposa, é minha amiga, tudo para mim."
Para Rosa, a paciência foi aliada do casamento, que deu fruto a quatro filhos. "Onde eu estou, ele está. Estamos sempre trabalhando juntos", afirma ela.
A psicóloga Priscila Junqueira, cofundadora do Ipser (Instituto de Psicologia e Sexologia Essência Rara), diz que o casamento "até que a morte nos separe" ainda está presente no imaginário brasileiro devido à conexão com tradições religiosas, valores culturais, segurança emocional e pressões sociais.
"No entanto, é importante lembrar que as perspectivas sobre o casamento e os relacionamentos estão em constante evolução, e as pessoas têm a liberdade de definir o que significa um relacionamento significativo e bem-sucedido para elas."
A profissional também afirma que casamentos monogâmicos são influenciados por fatores biológicos, sociais, culturais e individuais.
"Em última instância, a monogamia pode ser tanto uma inclinação natural de algumas pessoas quanto uma escolha moldada por normas sociais e crenças pessoais", declara.
A relação da fonoaudióloga Kelly Cristiane Pedroso, 52, e do representante comercial Ricardo Godoy Pedroso, 52, começou há 35 anos, quando estudavam em um cursinho pré-vestibular. Namoraram por cinco anos antes de casar, e só não disseram o "sim" mais cedo pois o pai de Kelly determinou a ordem dos acontecimentos: primeiro, diploma. Depois, casamento.
Crise, diz ela, todos têm. O que não pode faltar é conversa.
"Com muito amor, respeito, união e fé conseguimos passar uma por uma -e não foram poucas. Cada crise nos fortalecia ainda mais e nos fazia crescer como casal", afirma a fonoaudióloga.
Seja "até que a morte nos separe" ou "eterno enquanto dure", a pressão social deve ficar de fora da equação.
O cientista social Luciano Gomes dos Santos, docente da Faculdade Arnaldo de Belo Horizonte (MG), diz que imposições de terceiros não podem guiar os desejos dos envolvidos, nem criar estigmas sobre a possibilidade de outros acordos de relacionamento.
"O medo do julgamento social e das consequências legais desencorajava comportamentos não monogâmicos [no passado], reforçando [até hoje] a hegemonia do casamento como padrão cultural", diz o professor.
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