Auxílio-Gás fora do Orçamento de 2025 ataca coração do arcabouço fiscal
"Maneira como o Auxílio-Gás está sendo operacionalizado tira a credibilidade com esse desconto fora do Orçamento", diz ex-secretário do Tesouro
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O ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, disse à Folha que a decisão do governo de deixar de fora as despesas com o pagamento do Auxílio-Gás da proposta de Orçamento de 2025 é uma fragilidade que ataca o coração do arcabouço fiscal.
Como mostrou a Folha, a proposta de lei orçamentária já leva em consideração o projeto de lei que busca ampliar o benefício, que especialistas apontam como um drible no arcabouço.
O governo previu apenas R$ 600 milhões para o programa, enquanto a verba deste ano é de R$ 3,5 bilhões. Dessa forma, a equipe econômica conseguiu aumentar em pelo menos R$ 2,9 bilhões o espaço no teto de gastos do ano que vem, abrindo a possibilidade de acomodar outras despesas e fechar o Orçamento dentro da meta de déficit zero fixada para o ano que vem.
"O coração do arcabouço fiscal, nas palavras da própria equipe econômica, é o limite de gastos, e a maneira como o Auxílio-Gás está sendo operacionalizado tira a credibilidade com esse desconto fora do Orçamento", diz Bittencourt, atualmente head de macroeconomia da instituição financeira ASA.
Para ele, se o Ministério da Fazenda disse que iria corrigir os erros do projeto, poderia não ter feito essa diminuição no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025, já que a alteração do Auxílio-Gás está em tramitação e é decisão livre do governo considerá-la ou não na proposta.
Na prática, o espaço que o governo ganha com a manobra é até maior porque o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já antecipou que os recursos para o Auxílio-Gás em 2025 serão de R$ 5 bilhões, subindo para R$ 13,6 bilhões em 2026, ano de eleições presidenciais.
O projeto original, assinado por Silveira e pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), prevê um repasse direto de verbas ligadas ao pré-sal para a Caixa Econômica Federal sem passar pelo Orçamento, em uma operação questionada por técnicos e economistas.
Para Bittencourt, outra fragilidade do projeto de Orçamento, enviado pelo governo na semana passada ao Congresso, é a dupla contagem de receitas com base na compensação da desoneração da folha de pagamentos de empresas de 17 setores e municípios.
O governo contou no projeto com a reoneração integral a partir de 2025, sem levar em conta o acordo costurado com o Congresso, e ao mesmo tempo, enviou proposta para aumentar as alíquotas da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e o JCP (Juros sobre Capital Próprio) com arrecadação extra de R$ 21 bilhões.
"Entendo que vai causar bastante incômodo político, porque é difícil sustentar a narrativa de ter [ no projeto de Orçamento] a reoneração e também a compensação. É uma evidência que foi uma estratégia para conseguir fechar a receita necessária para cumprir o déficit zero", diz o ex-secretário do Tesouro. "Não para em pé a possibilidade de ter duas coisas ao mesmo tempo."
Pelo conteúdo da proposta de Orçamento, Bittencourt avalia que o processo de elaboração do Orçamento não foi mais confortável do que no ano passado, como sinalizou Haddad. Ele observa o governo com dificuldades muito semelhantes às do ano passado do ponto de vista de garantir aumento das receitas. E, por outro lado, com mais dificuldades pelo lado das despesas para elaborar a peça orçamentária.
Para o ex-secretário, esse quadro é reflexo de dois problemas: a dificuldade de ter um ganho estrutural de receita que garantisse o alcance dos resultados primários prometidos (as metas fiscais) e a hora em que crescimento das despesas obrigatórias começaria a constranger os gastos discricionários (de investimento e custeio).
Ele ressalta que o governo ficou muito dependente do processo de revisão de despesas obrigatórias. Para 2025, o governo previu economia de R$ 25,9 bilhões com o corte de gastos com benefícios assistenciais e previdenciários por meio do aperto nas regras e combate a fraudes. Mas não há garantias de que o plano dará certo.
O economista do Asa diz que, se não fossem a inclusão desse corte nos benefícios e a diminuição das despesas do Auxílio-Gás, o espaço para os gastos discricionários teria recuado R$ 17 bilhões em relação ao ano passado em vez de aumentar R$ 11,7 bilhões, como previsto no PLOA.
Mesmo crescendo, o espaço para os gastos com investimento e custeio de 2024 para 2025 é considerado pequeno diante do aumento de R$ 132,2 bilhões das despesas obrigatórias.
Segundo ele, as projeções do mercado de déficit das contas do governo em 2025 estão em alta. O Asa prevê déficit de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2024 e 0,80% no ano que vem.
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