180 mil no ES sofrem de compulsão por comida
Sentimentos são de baixa autoestima e culpa. Tratamento exige equipe multidisciplinar, e na maioria das vezes é preciso usar remédios
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“Comecei a ficar mal com o meu corpo, brigando com o espelho”. O relato é de uma babá, de 36 anos, que enfrentou um dilema: lutar contra compulsão alimentar que a fez engordar 34 quilos em oito meses. Assim como ela, 180 mil pessoas lidam com o transtorno no Estado.
O problema da babá, que pede para o seu nome ser preservado, começou em 2004, aos 15 anos. Hoje, após o tratamento, iniciado em 2009, e com determinação ela já conseguiu emagrecer.
“De lá para cá, perdi mais de 20 quilos, mas a minha meta é chegar pelo menos a 70 quilos. Hoje peso 98 quilos. Apesar da vitória, a luta ainda é grande”, contou a babá.
O problema ultrapassa fronteiras. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 4,7% da população brasileira sofre de compulsão alimentar, quase o dobro da população mundial, que é de 2,6%.
A médica psiquiatra Letícia Mameri conta que, com a pandemia, aumentaram as queixas de compulsão alimentar. “Atualmente, o perfil dos pacientes está bem democrático. Apesar das mulheres de todas as faixas etárias ainda serem maioria, os homens têm trazido essa queixa também”.
Ela explica que o tratamento exige equipe multidisciplinar e na maioria das vezes é necessário usar medicamentos. Mesmo sem cura, é possível ter controle.
A psicóloga clínica e professora universitária Sátina Pimenta ressaltou que a compulsão é o quadro psiquiátrico mais comum do mundo e se apresenta com objetos de satisfação variados. “Na compulsão a pessoa não controla seus impulsos”.
A psicóloga especialista em comportamento alimentar e mindful eating (comer consciente) Fernanda Pasolini Cacciari Franco destacou que é preciso saber diferenciar exagero da compulsão.
“Exagerar ocasionalmente não é preocupante. O problema é quando se torna um padrão. A pessoa passa a não escolher o que comer. Ela come muito e em pouco tempo para aliviar uma emoção, que nem sempre consegue identificar”.
Para Fernanda, esse “alívio” tem um preço caro, que é a culpa, o rebaixamento da autoestima. “Não adianta cortar o doce, fazer dieta, se não se busca ferramentas para suportar as emoções que causam a compulsão. Por isso, é essencial buscar logo tratamento”.
“Engordei 34 quilos em 8 meses” diz babá
A Tribuna- Como a sua compulsão alimentar começou?
Babá- Foi uma somatória de tudo. O relacionamento com minha mãe não era muito bom. Às vezes, ela falava coisas que machucava e acabei fugindo de casa e fui parar em um abrigo para menores. Lá, descobri que estava grávida de dois meses do meu namorado, mas caí dentro do abrigo e perdi o bebê.
Para suprir toda a minha ansiedade e depressão, eu comecei a comer sem limites. Engordei 34 quilos em oito meses.
Comia muito?
Muito. Eu acabava de comer e começava a pensar que já estava com fome. Em menos de meia hora, comia de novo. Chegou uma época, quando eu já tinha voltado a morar na casa com a minha mãe, que eu acordava às 7 horas e todos os dias eu pegava uma frigideira grande e alta para preparar arroz, feijão, comida mesmo.
Misturava tudo e comia. Era a minha primeira refeição do dia. Eu ia fazendo o mexido e pensando no que seria o café da manhã. Às 9 horas, eu comia mais seis, sete pães.
Às vezes, depois de ser chamada de gorda, de ouvir que estava ficando feia, eu tentava diminuir, mas voltava a comer. A sensação que eu tinha era que toda a comida do mundo iria acabar. Antes do almoço, eu comia algo, como biscoito. Depois, almoçava na casa da minha mãe e ia para a casa da minha tia, onde almoçava de novo.
À época, com 15 anos, eu tinha 60 quilos e com o passar dos anos cheguei a pesar 109 quilos.
O que te fez buscar ajuda?
Foi em um período que comecei a ficar mal com o meu corpo, brigando com o espelho. Eu assisti um programa chamado “Quilos Mortais” e senti medo de chegar naquela situação.
Quem estendeu a mão para te ajudar?
A vida e o meu espelho. Não tive ajuda de ninguém para dar o primeiro passo. Eu mesmo tomei a decisão. Isso é fundamental.
Depois, a ajuda de uma profissional foi importante. Cheguei a tomar medicamento para controlar a ansiedade e a compulsão. Fiz tratamento por quatro anos, até 2018. Agora, depois de muito tempo, estou conseguindo voltar o meu corpo normal. Já perdi mais de 20 quilos. Hoje peso 98 quilos.
A compulsão faz parte do seu passado?
Olha, eu não posso dizer que faz parte do passado. Tem dias ainda que tenho ansiedade e como muito. A luta ainda é grande, mas estou determinada a recuperar o meu corpo e a minha autoestima.
SAIBA MAIS
O que é compulsão alimentar?
O transtorno alimentar compulsivo se dá quando há a perda de controle sobre o consumo de alimentos e a pessoa os ingere de forma sem controle.
Números
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que 4,7% da população brasileira sofre de compulsão alimentar, quase o dobro da população mundial, que é de 2,6%.
Considerando que a população do Espírito Santo conta com cerca de 3,8 milhões de habitantes, com exceção das crianças, cerca de 180 mil pessoas no Estado sofrem com compulsão alimentar.
Quais são os sinais?
Comer escondido, comer sem fome, comer até passar mal, sentir culpa após se alimentar, comer para suprir necessidades emocionais. expressar descontentamento com a aparência, peso ou autoestima.
Fonte: Organização Mundial de Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, especialistas e médicas entrevistadas.
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