O massacre em Gaza e o Código de Hamurabi
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Na história, o Código de Hamurabi, promulgado pelo rei da Babilônia por volta de 1780 antes de Cristo, foi um marco da civilização humana. Pela primeira vez, o Estado assumiu para si o papel de fazer justiça, a partir de regras claras e impessoais. Estabeleceu que o crime deveria ser reparado por uma punição não maior do que o dano causado às vítimas, na lógica de “olho por olho, dente por dente”.
No entendimento contemporâneo, o Código de Hamurabi, conhecido como Lei do Talião, parece cruel. Quando explicado pelo professor de História, a reação dos alunos costuma ser de espanto, julgando-o excessivo e desumano. No entanto, sob a ótica da justiça, representou um avanço significativo, inclusive por estabelecer que a punição deveria recair sobre o autor do crime, e não sobre terceiros, como familiares ou pessoas próximas a ele.
Com efeito, limitou a prática da vingança, muitas vezes desproporcional e geradora de ciclos intermináveis de violência entre famílias e clãs.
Hoje, após cerca de 4.000 anos desde o Código de Hamurabi, assistimos a um retrocesso terrível, que nos joga de volta à barbárie. É o tratamento que o Estado de Israel vem dando ao povo palestino, em resposta ao ataque criminoso do Hamas, de 7 de outubro de 2023, que matou quase 2 mil civis israelenses.
Israel atacou a Faixa de Gaza com bombardeios, ocupação militar, destruição de casas, escolas, hospitais, além do corte do fornecimento de eletricidade, água, comida e remédios. Aos mortos e feridos por armas de fogo, se somam os causados por fome, sede e falta de atendimento médico.
Essa reação desproporcional se prolonga há mais de um ano e já matou mais de 40 mil palestinos, sobretudo mulheres, idosos e crianças inocentes e indefesas, sem contar as centenas de milhares de feridos. E não terminou ainda. Até quando irá?
Diante dessa ferocidade, a Lei do Talião chega a parecer humana, por sua proporcionalidade entre ação e reação.
Perguntado “Por que você comete atrocidades contra outros seres humanos?”, o perverso pode dar várias explicações, mas – no fundo – uma resposta sincera dele poderia ser: “Cometo esses atos porque posso, porque nada me impede”. O controle deveria decorrer tanto da consciência e dos princípios morais quanto de uma força repressora externa. Diante do genocídio da população de Gaza, parece haver a ausência de ambos.
Pesquisa de julho/2024 do Israel Democracy Institute mostra que 80% dos israelenses judeus aprovam sem ressalvas a guerra contra os palestinos de Gaza. O apoio de 15% é parcial. Apenas 1,4% desaprovam. A impressão é de que o povo de Israel esqueceu a promessa do profeta Ezequiel: “Vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei o coração de pedra e vos darei um coração de carne”.
Quanto ao controle externo, falta à ONU a força para aprovar o cessar-fogo e garantir a aplicação de suas resoluções na região. As potências aliadas de Tel Aviv não aceitam a imposição de limites a um Israel ávido por vingança.
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