Deus salve a América, e nós também
Confira a coluna de domingo (13)
Com fina ironia, a escritora canadense Margaret Atwood deu uma boa razão para seu país não ser anexado pelos EUA: convém manter o Canadá como destino estratégico de fugitivos da Justiça americana. Pode vir a ser útil para Trump e outros integrantes do atual governo, que estão aprontando demais. Basta um segundo de desatenção e um assombro inédito relega a segundo plano a comoção de ontem.
Desde 20 de janeiro, Trump aplicou tarifas de 25% nas importações do Canadá e do México, de 145% nas provenientes da China e 10% nas do resto do mundo; mudou o nome do Golfo do México nos mapas americanos; retirou os EUA do Acordo de Paris, principal acordo global de combate às mudanças climáticas; pôs fim às portarias e demais diretrizes políticas de inclusão e diversidade; baniu o próprio termo “diversidade” das comunicações de órgãos do governo, junto com mais de 250 outras palavras, entre as quais “ideologia de gênero”, “transsexual”, “aborto” e “mulheres”.
Trump despediu em massa técnicos e funcionários públicos, inclusive do Pentágono; demitiu por motivo fútil o diretor da “National Security Agency”, um general de 4 estrelas com vasta experiência naquele que é o departamento encarregado da inteligência cibernética ofensiva e defensiva dos EUA.
Ainda desmantelou a Usaid, que centralizava as iniciativas de ajuda humanitária; interveio em universidades, inclusive Columbia e Harvard; deu carta branca aos agentes do ICE (“Ïmmigration and Customs Enforcement”) para reprimir a imigração dita ilegal, o que está sendo feito com truculenta eficiência e gerando absurdos, como a proposta do governador da Flórida, Ron DeSantis, de facilitar o trabalho de jovens a partir de 14 anos, para substituir a mão de obra deportada.
Permitiu o televisionamento de reunião com Volodimir Zelensky, em que defendeu as posições de Putin e desacatou o presidente ucraniano; sugeriu que os Estados Unidos assumam o controle da Faixa de Gaza – expulsem os palestinos e construam um “resort” para explorar o potencial turístico da região.
Na lista podem ser acrescentados os projetos de abandonar a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), anexar o Canal do Panamá, declarar guerra à Dinamarca e se apropriar da Groenlândia. Já se fala que Trump estaria promovendo uma revolução de extrema-direita.
De fato, as revoluções, sejam de esquerda ou direita, costumam adotar procedimentos semelhantes aos em curso nos Estados Unidos, como, por exemplo, a derrubada da ordem estabelecida pela invalidação ou simplesmente descaso pelos agentes da Justiça e pelas leis vigentes; a interdição de obras literárias; a censura a jornalistas, e mesmo a promessa de dias melhores, em que liberdade e riqueza vão fluir, desde que o povo se mantenha submisso ao Big Brother.
Em sua lógica paranóica, Trump projeta um EUA ainda mais rico, com o resto do mundo pagando o preço. Seu herói é o presidente William McKinley, que promoveu aumento das tarifas de 50%.
Mas McKinley arrependeu-se e no seu segundo mandato defendia o livre comércio. Foi, porém, assassinado em 1901, e a liberação comercial só se transformou em política depois que o crack da Bolsa de Valores em 1929 e a depressão mundial subsequente propiciaram a eleição do democrata Franklin D. Roosevelt e o advento do “New Deal”, baseado nas ideias de John Maynard Keynes.
A crise econômica era profunda, atingia o mundo inteiro, e só foi superada mais de uma década depois de ter provocado a multiplicação de regimes autoritários e os 50 milhões de mortos na 2ª Grande Guerra.
Findo o conflito, economistas e diplomatas negociaram regras planetárias para alicerçar a política e a economia internacionais. A ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada em 1945 e o GATT (“General Agreement on Tariffs and Trade”) em 1947.
Essas regras e instituições permitiram 80 anos de prosperidade sob a Pax Americana, que Trump quer agora destruir.
Se deixarem, as primeiras vítimas do megalômano serão os próprios americanos. Dado o perigo, convém que iniciem logo a reação. Um bom começo seria investigar os últimos vaivéns das tarifas e das Bolsas.
Se houve método na maluquice, e sobretudo se os bilionários amigos de Trump foram beneficiados, impõe-se punir os responsáveis pela prática, que põe em risco a economia mundial.
Nesse momento, a fuga para o Canadá pode até ser uma opção para os trumpistas, desde que sejam aceitos.
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