Vitória da direita civilizada
Coluna foi publicada no domingo (16)
Em sua maioria, as análises sobre as eleições do Parlamento Europeu realizadas no último dia 09 reconhecem o avanço da extrema-direita, mas destacam que quem realmente ganhou foi a direita civilizada, conservadora, porém centrada.
É também verdade que, historicamente, os eleitores usam o Parlamento Europeu para desabafar suas aflições, e são bem mais moderados nas eleições nacionais. No entanto, é forçoso admitir que as pautas direitistas demonstram vigor e, conforme o andar da carruagem, podem assombrar a agenda política europeia nos próximos anos.
No plano econômico, a agenda da direita mescla protecionismo, oposição ao livre comércio e subsídios à agricultura. Ambientalmente, não reconhece a mudança climática e se opõe às medidas de contenção do aquecimento global.
Em política externa, é nacionalista e crítica da Otan, preferindo Putin a Zelensky. Questões identitárias, tais como idade, gênero e orientação sexual unem os direitistas contra os defensores do direito das minorias. Nacionalidade, religião e etnia são gatilhos para execração anti-islâmica, antijudaica e anti-imigração.
Este último é um ponto nevrálgico. Com ele, a direita conquista o eleitorado pobre das periferias, que é para onde vão os imigrantes, concorrentes pelos postos de trabalho daqueles que eram tradicionais eleitores da esquerda.
Os grandes perdedores nas eleições foram o chanceler alemão Olaf Scholtz e o presidente francês Emmanuel Macron. Na Alemanha, os sociais-democratas do SPD, liderados por Scholtz, ficaram num longínquo terceiro lugar, atrás do partido ultranacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD), que foi o segundo mais votado, e da vencedora coalizão democrata-cristã CDU-CSU.
Na França, o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, teve o dobro dos votos do partido Renascentista, de Macron. Em reação fulminante, e talvez precipitada, o presidente francês utilizou um expediente que a lei francesa faculta e dissolveu a Assembleia Nacional, convocando novas eleições para 30 de junho (primeiro turno). Caso o Reagrupamento vença, o primeiro-ministro poderá vir a ser Jordan Bardella, de 38 anos, presidente do partido e homem de confiança da Le Pen.
Na esteira dos resultados, os holofotes políticos apontam para três mulheres. A primeira é a própria Marine Le Pen, que herdou do pai, assumidamente racista e xenófobo, a presidência da Frente Nacional. Marine rebatizou o partido de Reagrupamento Nacional e vem moderando, ou “desdemonizando”, o discurso. Concorreu à presidência em 2012, 2017 e 2022 e perdeu todas. Agora tem a chance de dar um verdadeiro cavalo-de-pau no eleitorado, que, desde o advento da Quinta República, mantém a França equidistante dos extremos.
A segunda é a alemã Ursula von der Leyen. Filiada à União Democrata-Cristã (CDU), serviu em todos os gabinetes de Angela Merkel, chefiando inclusive o Ministério da Defesa. Eleita presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, seu mandato tem sido pontilhado por críticas de clientelismo, arrogância e erros na pandemia e na guerra de Gaza. É candidata à reeleição, mas seu sucesso vai depender, em grande parte da italiana Giorgia Meloni, alçada pelos imprevisíveis fados políticos à condição de “kingmaker”.
Egressa de um partido com raízes no fascismo de Mussolini, Meloni ascendeu ao cargo de primeira-ministra em meio a muita apreensão. Seu desempenho tem sido moderado e conciliador, embora os adversários alertem que debaixo da pele de cordeiro há uma loba ultrarradical.
A despeito da duvidosa credibilidade, Meloni se empenha para tornar-se uma líder no cenário europeu e deve usar a atual cúpula do G-7 para cacifar sua pretensão. Nesse cenário, ter uma parceira na presidência da Comissão Europeia pode vir a calhar. A hipótese de tal dobradinha assusta muitos analistas, que entreveem em Ursula e Giorgia a imagem de outra dupla famosa: Thelma e Louise conduzindo a UE para o precipício.