Poder quase imperial
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A vitória eleitoral de Trump foi esmagadora. Deu lhe o controle do Executivo, da Câmara Federal e do Senado, além de tempo para indicar novos ministros e enquadrar a Suprema Corte nos moldes que lhe convierem.
Além disso, ele vai dispor dos meios para pôr em prática os ensinamentos do projeto 2025, como a intervenção nos Ministérios da Educação e da Ministério da Justiça, no FBI e nos demais órgãos de segurança, o que lhe daria um poder quase imperial.
Os eleitores dos EUA, aparentemente, acreditaram que a desejada estabilidade venha por meio de um governo autoritário. Tenho sérias dúvidas quanto a isso.
No primeiro mandato, seu estilo impulsivo gerou mais problemas do que soluções. Quatro anos mais tarde, inebriado pelo narcisismo e pelo espírito de vingança, meu prognóstico seria de muita tensão social e política, e não de estabilidade.
Tensão social, porque temas como o aborto e os direitos de gênero e raça não serão amordaçados sem resistência.
Tensão política interna, porque a enorme expansão do poder presidencial que a cartilha 2025 preconiza encontrará a resistência de setores importantes da intelectualidade, da academia, da imprensa e da sociedade, em geral, setores que não vão assistir passivamente o sucateamento dos direitos conquistados.
Tensão também na política externa, porque as promessas que Trump vem repetindo nos últimos tempos são inviáveis na prática, a começar pela imediata deportação em massa de milhões de imigrantes. Como identificá-los, onde prendê-los, como transportá-los para fora do país, como financiar a logística dessa imensa operação, como executá-la e como justificá-la perante os olhos do mundo?
A julgar pela retórica dos comícios, a deportação seria possivelmente seguida pela invasão do México, apelidado por Trump de Estado cartel.
A invasão interromperia, de fato, o comércio de drogas? Ou a demanda dos consumidores norte-americanos estimularia os abastecedores a desviarem as rotas e assegurar o suprimento?
Do ponto de vista do relacionamento com o Brasil, há pelo menos duas possibilidades a considerar. A primeira, que nos seria favorável, é a de que poderemos manter o relacionamento sem maiores percalços. Afinal, a América do Sul é uma região afastada dos centros estratégicos do Oriente Médio e da Ásia, para onde deverão convergir as atenções americanas, pelo menos a curto prazo.
O projeto 2025 menciona a hipótese de mudança no regime da Venezuela, mas é difícil imaginar que a pressão nesse sentido isso seja conduzida pela via militar.
Tendo em vista, ademais, a intensidade dos laços econômico financeiros entre Brasil e EUA, e considerando a tradição centenária de solução pacífica das controvérsias bilaterais, o mais provável é que as relações sigam os padrões históricos, com eventuais sobressaltos, porém sem crises. Poderíamos até nos beneficiar, caso uma guerra tarifária fizesse com que a China aumentasse as importações brasileiras de produtos agropecuários.
Uma segunda possibilidade decorreria das responsabilidades diplomáticas que o Brasil se comprometeu a assumir em 2025. Ao se preparar para sediar e presidir a COP-30, poderemos nos defrontar com atitudes americanas capazes de empanar o brilho da conferência.
É sabido que Trump não acredita em mudança de clima, acha que energia eólica dá câncer, que economia de baixo carbono é frescura e vai liberar geral a perfuração de poços de petróleo e gás em todo o território.
Sendo assim, precisaremos de muita paciência para conduzir os trabalhos a bons resultados, condizentes com nossos interesses e nossas convicções.
Mais trabalhosa ainda pode se tornar a presidência do Brics, que assumiremos em janeiro próximo. É certo que o Brics não é uma instituição formal, e não precisa se pronunciar sobre todos os itens da agenda internacional.
No entanto, a China tem hoje um papel de especial relevo no concerto das nações, em geral, e sua importância no contexto específico do Brics só fez crescer depois da adesão dos novos países.
Estar junto com a China pode ser um trunfo para nós, ou um problema. Nesse contexto escorregadio, a condução da agenda do Brics ao longo do ano deverá constituir mais um desafio de monta para a diplomacia brasileira.