Eleições americanas
Coluna foi publicada no domingo (20)
Faltam quinze dias para as eleições americanas. Neste momento, é impossível prever quem vai ganhar essas que serão as mais acirradas disputas presidenciais dos últimos tempos, e as que mais sequelas prometem deixar.
As atenções se voltam para os seis ou sete Estados chamados de pêndulos – Arizona, Georgia, Michigan, Nevada, Pennsylvania e Wisconsin, aos quais os analistas acrescentam desta vez a Carolina do Norte –, onde as pesquisas mostram que os dois candidatos continuam virtualmente empatados.
Alguns Estados permitem a eleição antecipada via correio, caso da Georgia, em que um número recorde de votos já foi enviado para os centros de apuração, fenômeno que pode decorrer do receio de tumultos provocados pelos fiscais que Republicanos e Democratas estão designando para cada zona eleitoral. Esse receio pode dissuadir muitos eleitores de irem votar, o que complica ainda mais a previsão do resultado.
A esta altura, o mundo inteiro especula sobre o que pode acontecer depois de 5 de novembro. Uma vitória de Kamala Harris não traria grandes mudanças. Presume-se que as políticas nos âmbitos interno e externo seguiriam os padrões atuais, erros e acertos dependendo da qualidade dos assessores a serem escolhidos pela mandatária. Se Donald Trump vencer, porém, o cenário vai mudar. Não se sabe como, mas dá-se como certo que vai mudar nos Estados Unidos e mundo afora.
Mesmo se perder, imagina-se que Trump fará das suas. Na sexta-feira (18), falando na Univision, ele qualificou o dia 6 de janeiro de 2021, em que o Capitólio foi invadido por trumpistas, de “dia do amor”. Não será impossível que tente reeditar de alguma forma o “movimento patriótico”, embora desta vez as autoridades policiais e militares estejam de sobreaviso.
Se vencer… Trump já declarou, mais de uma vez, que atuará como um ditador no primeiro dia do seu novo mandato. Como tal, um de seus primeiros atos seria processar aqueles que considera seus opositores políticos, em ambos os partidos. Dá-se como certo que investirá também contra a imprensa; emissoras de tv como a CNN e a ABC seriam os alvos iniciais. Anistiar os insurrecionistas "amorosos" do 6 de janeiro seria outra providência da primeira hora. Seriam os milicianos do presidente.
Cabe, portanto, a pergunta: a democracia americana sobreviverá? A resposta mais comum é que sim; já resistiu a tantos desafios, resistiria a mais esse. O escritor Adam Gopnik discorda e, para ilustrar seu ponto, usa uma analogia que causa arrepios. Diz ele que sardas não são melanomas, e que um melanoma em estágio 1 não é idêntico a um outro em estágio 4. Um bom observador saberá, contudo, identificar sintomas e prever a evolução provável, caso não haja um tratamento necessário. O trumpismo, segundo Gopnnik, seria um câncer político, que foi tratado benignamente uma vez, e agora retorna na versão mais agressiva.
Em política externa, o impacto de uma vitória de Trump pode ter implicações profundas na ordem internacional. A irritação que lhe causam os líderes democráticos europeus é notória e inversamente proporcional à simpatia que lhe inspiram Putin, Orban e outros autocratas. Por isso, na bolsa de apostas dos analistas mundiais a OTAN é forte candidata a ser a sua primeira vítima, embora de forma alguma a única. A ONU e todo o sistema das Nações Unidas correriam sério risco, pois Trump jamais entendeu a lógica do multilateralismo e parece desdenhar da legitimidade que a atuação conjunta proporciona, inclusive às superpotências. Sua atuação viria num contexto de enfraquecimento do sistema ONU, o que potencializa o perigo de um desmonte.
O debate televisivo com Kamala fez muita gente lembrar dos anos em que Trump se valia de incontáveis tuítes para divulgar absurdos. Eram tantos, semana após semana, que as pessoas esqueciam os absurdos do mês anterior. Antagonismos e violência eram palavras de ordem nos EUA e nos países que importaram o método trumpista. Agora, aquilo pode piorar, a despeito da muito humana tendência para pensar que o que nunca aconteceu não acontecerá jamais. Mas pode acontecer, sim. Um oncologista que receitasse apenas repouso e acompanhamento clínico de um melanoma estágio 1 estaria profundamente errado.