As eleições na Índia e na África do Sul
Coluna foi publicada no domingo (09)
Um amigo me pediu que escrevesse sobre as eleições na Índia e na África do Sul, temas que aparecem pouco na nossa imprensa, a despeito da importância que têm para a nossa diplomacia. Aceitei, sabendo que a tarefa é desafiadora, pois é difícil resumir num artigo a complexa realidade desses dois países.
Circula em Nova Delhi a anedota do embaixador inglês que, no discurso de despedida, conta que antes de assumir o posto tratou de ler o maior número possível de livros, mas não conseguiu realmente entender o país. “Depois de cinco anos vivendo aqui”, conclui ele, “entendo ainda menos”. Muita gente boa compartilha o sentimento do inglês.
A população indiana, com 1,4 bilhão de habitantes, ultrapassou a da China, segundo dados da ONU. A constituição reconhece 18 línguas oficiais no país, e não reconhece as cerca de três mil castas que, não obstante, coexistem num complexo sistema hereditário de estratificação social, entre os seguidores da religião hinduísta. Estes correspondem a 80% da população; os outros 20% são majoritariamente muçulmanos, e as relações entre os dois grupos são historicamente difíceis.
Contudo, apesar das profundas diferenças étnicas, sociais, linguísticas e religiosas, a Índia vinha mantendo, desde os anos 90, uma taxa média de crescimento anual de 1 % em todos os indicadores econômicos e sociais, desde os anos 90.
Na última década, o crescimento do PIB pulou para 6,2%, o que aumentou o prestígio do Primeiro-Ministro Narendra Modi entre os agentes do mercado, e deveria ter garantido sua vitória folgada nas recentes eleições, iniciadas em 19 de maio e encerradas em 1 de junho. Os resultados não confirmaram, porém, esse prognóstico.
Modi é um nacionalista de direita, controverso e polarizador. Seus feitos na economia permitiram que governasse com mão de ferro nos dois primeiros mandatos.
A partir de agora, perdida a maioria, vai ter de formar coalizões e contornar a oposição liderada pelo Congresso Nacional. Este é o mais antigo partido indiano, organizador do movimento nacionalista que, sob a liderança de Mohandas Mahatma Gandhi, redundou na independência do Reino Unido em 1947 e governou o país por longo tempo, destacando – se nesse contexto os 15 anos de Indira Gandhi –que, aliás, não era parente do Mahatma, e sim casada com um comerciante de sobrenome Gandhi (na Índia, nada é simples).
O Congresso Indiano inspirou a criação do Congresso Nacional Africano, que começou em 1912 como um movimento que objetivava garantir o direito dos não-negros ao voto.
O grande personagem do CNA foi Nelson Mandela, que depois de 27 anos preso pelo regime racista, foi, em 1993, eleito presidente do CNA, assinou a constituição que pôs fim a mais de 300 anos de dominação da minoria branca, ganhou o Prêmio Nobel da Paz e foi eleito presidente do país, para mandato iniciado em 1994.
O CNA consolidou-se no poder desde então, por ser o partido dos negros, que são mais de 80% da população do país (a população branca é em torno de 8,5 %, os demais são considerados mestiços).
Apesar da maioria, não é fácil governar a África do Sul. Todos os sul-africanos com mais de 30 anos de idade nasceram sem direito de votar e serem votados, sem perspectiva de acesso ao mercado de trabalho, sem facilidades de educação e sem saúde pública. É demorada a aprendizagem da cidadania.
Cyril Ramaphosa, reeleito primeiro-ministro nas eleições de 29 de maio, é um dos poucos que conseguiram furar a bolha. Jovem ainda tornou-se um megaempresário e é hoje um dos homens mais ricos do país.
Ele terá de usar toda sua habilidade para negociar com os demais partidos, uma vez que, pela primeira vez desde 1994, o CNA perdeu a maioria e terá que formar coalizões.
A diplomacia brasileira com certeza acompanhará de perto a evolução dos fatos, até porque os sul-africanos receberão de nossas mãos a presidência do G-20 em 2025, e temos todo interesse em articular com eles o seguimento de nossas iniciativas.