Famílias sofrem de esgotamento emocional após diagnóstico de doenças da memória
"Síndrome do cuidador" pode atingir aqueles que dão suporte aos diagnosticados
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Receber o diagnóstico de uma doença que afeta a memória também traz impacto para a família. Ter de lidar com as perdas progressivas do pai, mãe ou avós e, muitas vezes, nem ser reconhecido por eles, não é nada fácil para os familiares, segundo especialistas.
Famílias podem ser sofrer de “esgotamento emocional” ao ter de lidar com as doenças da memória, de acordo com os médicos.
O geriatra Alexandre Constantino de Santana aponta que o impacto de uma pessoa idosa com síndrome demencial nas famílias “é muito importante”.
“O impacto tende a se acentuar à medida que a doença segue progredindo ao longo do tempo, causando mais dependência para atividades diárias e necessidade de supervisão contínua”, afirma.
Alexandre, que é atual presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, seccional do Espírito Santo (SBGG-ES), destaca ainda que os desafios para os cuidadores e familiares são muitos.
“Além da sobrecarga física, pode haver um esgotamento em todas as dimensões da saúde da pessoa que deveria estar saudável para cuidar. Chama-se estresse do cuidador”.
A neurologista e PhD em Ciências Farmacêuticas Alyne Mendonça Marques Ton explica que a “síndrome do cuidador” envolve sinais e sintomas apresentados por alguém que dedica a sua vida ao cuidado de outra pessoa.
“Ela é caracterizada, habitualmente, pelo esgotamento emocional, rebaixamento do humor, alterações do sono, fadiga e estado de hipervigilância”.
O sofrimento de quem cuida de um paciente com demência costuma ser ainda maior quando há transtornos de comportamento associados à doença, segundo a neurologista Soo Yang Lee.
“Os cuidadores ficam exaustos porque dormem mal e, muitas vezes, precisam sair do emprego para cuidar do familiar doente. É importante tentar dividir as tarefas com o restante da família, mas entendemos que nem sempre isso é possível. Ou porque a família é muito pequena, ou por problemas de relações familiares ou ainda por questões financeiras”, observa.
O neurologista Fabiano Moulin, membro da Associação Paulista de Neurologia, destaca que o cuidador também deve ter suas necessidades respeitadas.
“O melhor cuidador não é aquele que fica 100% do tempo em volta do cuidado, mas aquele que lembra que precisa também se cuidar, estar atento a si, dentro do possível comer bem, dormir bem, fazer atividade física e ter lazer. Lembrar que ele é um indivíduo não é fácil”.
“Ela virou uma criança”
Há 10 anos, a aposentada Denise Santos Firme, de 61, viu sua vida e de sua família mudar após a mãe, Maria da Penha Santos Firme, receber o diagnóstico de demência frontotemporal.
Na época, Maria da Penha tinha 76 anos. “Ela começou a se esquecer. Ela mesma falava: 'minha cabeça está muito ruim, não sei falar o nome de nada'. No início, foi muito difícil. Fiquei, digamos, desesperada com o diagnóstico. Foi aquele impacto”, conta Denise.
O início da doença em Maria da Penha, segundo relata Denise, foi marcado por problemas na memória e afasia (distúrbio da linguagem). “Ela teve acompanhamento neurológico e de geriatra e tomou a medicação que retardou a progressão da doença. Mas a evolução foi gradativa. No início, ela ficou teimosa, fugia, mudou inteiramente o comportamento. Ela virou uma criança teimosa e fujona”.
De acordo com Denise, em cada etapa da doença, há uma dificuldade em lidar com a fase e um sofrimento. “Quando ela começou a usar fralda, foi muito sofrido para mim, assim como quando ela parou de falar. Meu pai morreu e ela parou de falar completamente, três anos após o diagnóstico, mas ainda brincava”, relembra.
Para lidar com as diversas etapas da doença, Denise tem acompanhamento de uma psicóloga. “Agora eu me tornei a mãe da minha mãe. Nós a chamamos agora de neném”.
Hoje, com 86 anos, Maria da Penha está acamada. Para cuidar da mãe, Denise recebe auxílio de dois cuidadores.
“Minha mãe é cercada de muito carinho e afeto. Ela sempre foi uma pessoa muito boa e muito carinhosa. E é isso que ela recebe o tempo inteiro. Ela é tratada com bastante amor”.
Entenda as demências
Causas e prevenção
Fatores de risco
A revista Alzheimer's & Dementia publicou um relatório com 12 fatores de risco que levam a 48% dos casos de demência.
As possíveis causas analisadas incluíram: menor escolaridade, hipertensão arterial sistêmica, perda auditiva, obesidade, traumatismo craniano, excesso de álcool, depressão, inatividade física, diabetes, poluição do ar, tabagismo e isolamento social.
Idade
O maior fator de risco para as demências é o aumento da idade. Embora a idade eleve o risco de a pessoa desenvolver a doença, a demência não é uma parte normal do envelhecimento.
Perda auditiva
De acordo com a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), a perda auditiva é um dos principais fatores de risco para o aumento na incidência do desenvolvimento de demências, já que leva à falta de estimulação causando atrofia das áreas auditivas.
Sono
O sono de má qualidade, principalmente quando existe a apneia obstrutiva, pode levar a um quadro de perda de memória, muitas vezes confundido com as demências neurodegenerativas, explica a neurologista Soo Yang Lee.
Alzheimer
O Alzheimer em si tem uma predisposição genética, mas existe também o Alzheimer familiar, em que o gene é transmitido de geração a geração, segundo a neurologista Soo Yang Lee.
Prevenção
Consumir menos álcool e parar de fumar pode reduzir significativamente o risco de demência.
Fazer exames auditivos regulares e, se for necessário, ter acesso e usar aparelhos auditivos é um importante fator de redução de risco.
Evitar ferimentos graves na cabeça e investir em esportes desde criança é um importante fator de proteção.
Melhorar o sono e manter um estilo de vida saudável é um benefício para a saúde do cérebro e o bem-estar geral.
estudo de línguas e instrumentos musicais, além de ter alimentação balanceada, preferencialmente ao estilo mediterrâneo, são listados como fatores de prevenção.
Fonte: Ministério da Saúde, Abraz e médicos consultados.
Tratamento busca melhorar sintomas
Mesmo que as demências ainda não tenham cura, havendo apenas tratamento para melhorar os sintomas, pesquisadores são incansáveis na busca por tratamentos que possam retardar e até, quem sabe, um dia, evitar as doenças.
No Estado, pesquisadores, em parceria com um laboratório de Portugal, vão ampliar um estudo com um mix probiótico contra Alzheimer e Parkinson.
Denominado K10, o suplemento possui efeitos positivos, já comprovados em estudo, para as doenças, conforme explicou a neurologista e PhD em Ciências Farmacêuticas Alyne Mendonça Marques Ton, pesquisadora do estudo.
Em pacientes com Alzheimer, segundo a médica, foi possível observar melhora do comportamento, agitação e agressividade, além da memória. Alguns pacientes também deixaram de usar fraldas e apresentaram melhora na capacidade de fala. A ampliação do estudo deve iniciar neste mês.
De acordo com a neurologista Soo Yang Lee, também estão sendo desenvolvidos fármacos do grupo dos anticorpos monoclonais, que combatem a degeneração neuronal.
“Só que eles ainda apresentam efeitos colaterais e são indicados em fases bem iniciais da perda de memória. Mas há perspectiva de serem desenvolvidos medicamentos mais efetivos”.
Segundo o neurologista José Antonio Fiorot Júnior, em relação a retardar a progressão da doença de Alzheimer, quando já instalada, estudos científicos, apresentados nos últimos três anos, identificaram medicamentos muito novos (Aducanumabe, Donanemabe e Lecanemabe) que podem estar associados à redução da progressão.
Porém, os remédios ainda não têm registro de comercialização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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