Fabrício Gaburro: “Saúde mental é um dos desafios da medicina”
Novos hábitos de vida e a pandemia da covid estão entre as causas principais do aumento da demanda, avalia especialista
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O aumento das demandas envolvendo a saúde mental, principalmente diante da mudança de hábitos da população e após a pandemia de covid-19, está entre os desafios que a Medicina tem hoje.
Esse foi um dos temas destacados pelo novo presidente da Associação Médica do Espírito Santo (Ames), Fabrício Gaburro, durante entrevista ao Estúdio Tribunaonline. Ele assume o cargo durante o triênio 2024-2026.
Fabrício Gaburro, que também foi presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), ainda falou sobre o envelhecimento da população, a preocupação com a qualidade da formação de profissionais médicos e as discussões envolvendo a tecnologia na medicina.
A Tribuna – Quais os principais desafios do senhor à frente da Ames?
Fabrício Gaburro –A Ames está voltada para as questões de ensino e pesquisa. Estamos com eventos programados, querendo retomar o congresso da Ames, que sempre congregou estudantes.
Queremos também contribuir socialmente para as nossas comunidades, com as campanhas de hipertensão, de pesquisa de cardiopatias, de nefropatias (doenças que acometem os rins) que também estão na nossa agenda.
Sobre ensino, existe uma preocupação com o número de médicos formados a cada ano?
Sim. Uma preocupação muito grande. E essa é preocupação em nível de Brasil, porque o que temos visto é uma abertura desenfreada de escolas médicas.
Em um primeiro momento, pode parecer uma coisa boa, formar muitos profissionais, só que a gente está preocupado com a qualidade desses profissionais. Nós temos faculdades hoje que abriram cursos e não têm hospital sequer para o estudante aprender.
Então, isso é realmente uma preocupação muito grande, principalmente porque o médico mal formado você não tem como se prevenir. Existe uma tendência natural do cidadão em confiar naquele profissional que se apresenta ali.
O senhor tem o número de quantos médicos estão sendo formados ao ano?
Há 20, 15 anos, a gente tinha aqui no Estado cerca de 200 profissionais se formando ao ano. Agora, no ano passado, a gente inscreveu quase 1.600 profissionais. Foi um salto oito vezes maior.
Por que ainda existem especialidades em que é difícil encontrar profissionais?
Isso são nichos e, com essa quantidade de médicos que vão sendo formados, eu acredito que rapidamente isso será preenchido.
Mas o que a gente vê é uma dificuldade muito grande também de interiorizar o médico, por condições ruins de trabalho, de salário.
Como que avalia também o crescimento das demandas de saúde mental. É um desafio?
Sim. Saúde mental hoje é um desafio e uma tendência. Talvez eu não possa te precisar, mas o que parece é que isso é em decorrência das mudanças do estilo de vida. Apesar de todas as facilidades que temos nos últimos anos, parece que o tempo ficou mais curto. Todos estão sempre correndo muito.
Não sei se devido às mídias sociais ou ao maior acesso à informação. Isso acaba contribuindo até para a pessoa não fazer exercício. Antigamente, a gente tinha que levantar pelo menos para ligar ou desligar a televisão. Hoje você nem aperta mais o botão. Com o comando de voz você pede para a televisão ligar e desligar.
Então, acredito que a redução no número de exercícios físicos e essa quantidade de informações contribuem para esse cenário.
Sem falar na pandemia, já que ficou todo mundo preso em casa, sem atividade física e com aquele estresse, aquela preocupação até para receber comida, um alimento dentro de casa. É nítida a busca maior pelas especialidades que cuidam de transtornos mentais.
Falando sobre tecnologia, de que forma ela já está impactando na medicina e onde o senhor acha que vai chegar?
Acho que a gente precisa ter muita sabedoria. Como toda tecnologia, ela tem que ser bem usada. Havia muita discussão sobre a telemedicina. A pandemia veio provar que ela é superimportante e acabou que o Conselho Federal teve que adiantar algumas resoluções e esclarecer alguns pontos que eram controversos.
Então, sem sombra de dúvida, isso é uma coisa boa. Assim como eu vejo a inteligência artificial também como algo bom, que irá facilitar o diagnóstico.
Acho que a área da radiologia principalmente vai ser muito impactada. E já foi, porque antigamente você tinha que ter um radiologista em cada hospital. Hoje, um radiologista recebe todos os arquivos no computador dele e ele lauda. Ele pode laudar até de outro país, se quiser.
Mas apesar disso, eu acho que a tecnologia não vai chegar a substituir o médico. Apesar de a gente já ter muitos protocolos, muito bem estabelecidos em todas as áreas, você sempre vai ter que ter o fator humano, para pesar até que ponto algo vai ser bom ou ruim para o paciente. E isso, sinceramente, eu acredito que a máquina não vai fazer.
Sobre procedimentos que têm sido realizados por outros profissionais, até mesmo invasivos, existe preocupação com isso?
Sim, principalmente com relação ao que cada um pode fazer e isso vai ter que ser regulamentado. A gente tem uma lei do ato médico, mas particularmente acho que ela não delimita bem as ações.
É óbvio que vão ter algumas áreas que vão ser congruentes em relação ao que o dentista ou o médico podem fazer. E eu acredito que, como nas próprias especialidades médicas existe uma que se sobrepõe à outra, isso existe também com relações a outras profissões.
A gente sabe que o dentista é bem formado, assim como os enfermeiros, farmacêuticos, mas é uma preocupação até onde cada um vai. Porque a partir do momento que você passa a invadir, aí já é uma preocupação maior.
O envelhecimento da população também é um desafio para a medicina?
Com certeza. Hoje é muito fácil você ver um paciente chegar aos 90 anos, aos 100 anos. E com isso vêm todas aquelas doenças da idade, como os quadros ortopédicos, cardiológicos, entre outros. Isso é um desafio, mas a notícia boa é que a medicina tem evoluído bem.
Por exemplo, hoje, na cirurgia cardiovascular, por exemplo, nós já desenvolvemos tecnologias muito menos invasivas. Aquelas tecnologias que você não precisa mais “abrir o peito” do paciente.
Da mesma forma, está bem evoluído também o tratamento do AVC, que é comum nessa faixa etária. Antigamente, o paciente tinha um AVC e estava fadado ou a morrer ou ficar acamado.
E hoje, se esse paciente consegue ser socorrido rapidamente, ele consegue se recuperar rapidamente e ter uma boa qualidade de vida. Então a notícia boa é que a tecnologia tem acompanhado o envelhecimento da população.
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